
A proposta de emenda à Constituição conhecida como "PEC da Blindagem", que impede a abertura de ações criminais contra deputados e senadores sem autorização prévia do Congresso Nacional, tem provocado fortes reações entre especialistas e organizações da sociedade civil. Para críticos da medida, a iniciativa ameaça enfraquecer os mecanismos de controle e transparência sobre o uso das emendas parlamentares — recursos que, nos últimos anos, têm estado no centro de investigações por suspeitas de corrupção.

A preocupação é de que, ao restringir o poder de investigação do Judiciário, o Congresso estaria criando uma barreira que favorece a impunidade entre seus membros. O alerta vem de entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que classifica a PEC como um retrocesso. Em nota, o MCCE denuncia que a proposta “fortalece a impunidade” ao permitir o uso de voto secreto para decidir sobre o prosseguimento de processos contra parlamentares.
“Estamos diante de um movimento claro para blindar políticos justamente quando crescem as investigações sobre o uso de emendas. Essa proposta é inaceitável”, afirmou Luciano Santos, diretor do MCCE.
Crescimento das emendas e escândalos recentes
Nos últimos anos, o volume de recursos destinados às emendas parlamentares tem crescido significativamente. Para 2025, o orçamento federal reservou cerca de R$ 50 bilhões para esse fim — valor que deve se repetir em 2026. Esse montante, muitas vezes distribuído sem critérios técnicos rigorosos, tem gerado preocupações sobre o uso irregular do dinheiro público.
Segundo Santos, o controle sobre essas verbas tem partido mais do Supremo Tribunal Federal (STF) do que do próprio Congresso. Ele critica a proposta por transferir ao Legislativo o poder de decidir se um parlamentar poderá ou não ser investigado. “A história já mostrou que isso não funciona. É o Judiciário que tem cobrado medidas para evitar os desvios. Deixar essa decisão nas mãos do Congresso é garantir a autoproteção”, declarou.
As chamadas “emendas Pix” — repasses diretos feitos por parlamentares a municípios, sem exigência de detalhamento técnico — estão entre os principais alvos de investigações. No final de agosto, o ministro do STF Flávio Dino ordenou à Polícia Federal a apuração de 964 dessas emendas, que somam R$ 694 milhões. Apenas em dezembro de 2024, Dino já havia suspendido R$ 4,2 bilhões em repasses, também por suspeitas de irregularidades.
Esta semana, o ministro voltou a agir e bloqueou emendas para nove municípios. Auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que, em dez cidades analisadas, apenas uma não apresentou problemas na aplicação dos recursos.
Sistema fragilizado e transparência limitada
Bruno Bondarovsky, coordenador da Central das Emendas, avalia que a PEC pode agravar ainda mais um sistema já frágil. “Hoje já temos uma pulverização de recursos, com baixa eficiência e pouco controle técnico. Se dificultarmos ainda mais as investigações, essas emendas podem se transformar num verdadeiro ralo de dinheiro público”, alertou.
A avaliação é semelhante à da Transparência Internacional, que lembra o histórico de impunidade nas décadas passadas. Entre 1998 e 2001, período em que vigorava a exigência de autorização do Congresso para processos penais contra parlamentares, apenas uma investigação foi autorizada entre mais de 250 pedidos.
A entidade critica o comportamento dos congressistas diante das denúncias de corrupção. “Eles demonstram mais preocupação com a possibilidade de serem responsabilizados do que com a necessidade de interromper os desvios”, afirma a organização.
Para o jurista Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, a PEC visa claramente proteger parlamentares investigados. “É uma tentativa de criar uma rede de proteção mútua. Muitos estão envolvidos em suspeitas ligadas ao pagamento de emendas e têm interesse em se blindar”, afirmou.
O Instituto Não Aceito Corrupção também se posicionou contra a proposta, classificando a iniciativa como um ataque direto ao princípio da igualdade. “Estamos diante da tentativa de criar uma casta de intocáveis, acima da lei e da Constituição”, disse a entidade em nota.
Argumentos dos defensores da PEC
Apesar das críticas, os defensores da PEC insistem que a medida busca proteger o Parlamento contra possíveis abusos do Judiciário. O deputado Claudio Cajado (PP-BA), relator da proposta, nega que se trate de uma ferramenta de impunidade.
“Não estamos dando licença para o cometimento de crimes. O que buscamos é garantir o pleno exercício do mandato, respeitando a soberania do voto popular e o papel das Casas Legislativas”, afirmou.
Na mesma linha, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) declarou que o Congresso não deixaria de investigar quem cometeu crimes. “Se alguém errar, vai pagar. A Casa vai votar e mostrar que é contra criminoso”, disse.
Ceticismo sobre a eficácia do argumento
Para Luciano Santos, do MCCE, esse tipo de discurso não se sustenta diante do histórico do Congresso. “É ilusório acreditar que haverá imparcialidade. O corporativismo sempre prevaleceu, e a experiência mostra que o Legislativo protege os seus, mesmo quando há provas claras de irregularidades”, concluiu.
A PEC 3 de 2021 segue tramitando no Congresso em meio a um ambiente de tensão entre os poderes Legislativo e Judiciário. Enquanto isso, cresce a pressão da sociedade civil para barrar sua aprovação e garantir a continuidade das investigações sobre o uso de recursos públicos.
