
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta segunda-feira (15) o julgamento sobre a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal das Terras Indígenas, aprovada pelo Congresso em 2023. O tema é especialmente sensível para Mato Grosso do Sul, estado que concentra alguns dos mais complexos e antigos conflitos fundiários do Brasil.
O relator das ações, ministro Gilmar Mendes, já votou pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas às áreas ocupadas até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. O julgamento acontece em plenário virtual e deve seguir até a próxima quinta-feira (18), salvo pedido de vista ou destaque.
Em Mato Grosso do Sul, o julgamento é acompanhado com atenção tanto por lideranças indígenas quanto por produtores rurais e representantes do poder público. O estado é palco de diversos processos de demarcação travados há décadas, afetando a vida de milhares de pessoas, inclusive em áreas já marcadas por tensão e episódios de violência.
Para os povos indígenas sul-mato-grossenses, a tese do marco temporal impede o reconhecimento de territórios tradicionalmente ocupados, mas dos quais foram forçados a sair ao longo da história — especialmente durante a ditadura militar, quando houve remoções e deslocamentos forçados.
Por outro lado, representantes do agronegócio e produtores rurais afirmam que o marco traz segurança jurídica ao definir um critério objetivo para as demarcações, evitando que propriedades reconhecidas há anos como privadas passem a ser alvo de litígios.
O relator das ações, ministro Gilmar Mendes, já votou pela inconstitucionalidade da tese do marco temporalDecisão do Congresso criou novo impasse - O STF já havia considerado o marco temporal inconstitucional em 2023, em decisão com repercussão geral — válida para todo o Judiciário. Mesmo assim, o Congresso Nacional aprovou uma lei estabelecendo o critério como regra para futuras demarcações. O presidente Lula vetou trechos da proposta, mas os vetos foram derrubados, mantendo o texto em vigor.
A nova votação no Supremo ocorre para julgar ações que questionam a validade dessa lei. Mendes, ao votar pela inconstitucionalidade dos pontos centrais da norma, defendeu que a União conclua os processos de demarcação pendentes em até dez anos. Ele também validou outros pontos, como a participação de estados e municípios nas decisões e o direito à indenização de ocupantes de áreas a serem demarcadas.
Comissão de conciliação não teve consenso - Na tentativa de evitar um impasse entre os Poderes, Gilmar Mendes criou uma comissão com representantes da União, Congresso, Funai, estados, municípios e partidos políticos. A proposta buscava sugestões para um modelo de demarcação mais transparente e com maior participação local.
No entanto, a iniciativa perdeu força após a saída da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que acusou o ministro de não suspender a lei durante as discussões. A comissão não chegou a um consenso sobre o marco temporal, embora tenha sugerido ajustes em procedimentos da Funai e regras de participação.
Além da lei, o Senado aprovou recentemente uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tenta inserir o marco temporal diretamente na Constituição Federal. Se for aprovada também pela Câmara dos Deputados, a mudança não precisará de sanção presidencial e poderá criar novo impasse com o STF.
Impactos diretos em MS - Para Mato Grosso do Sul, onde centenas de processos de demarcação seguem pendentes, o resultado do julgamento será decisivo. A decisão da Corte pode destravar ou enterrar processos administrativos em áreas de disputa entre indígenas e produtores, impactando diretamente a política fundiária, a produção agrícola e o ambiente social no estado.
"Essa decisão vai definir o futuro de muitos territórios e famílias", comentou um representante de organização indígena local que acompanha o julgamento. A expectativa é de que a Corte conclua a análise ainda nesta semana, com efeitos imediatos sobre o entendimento jurídico em todo o país.

