
A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que a desembargadora Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa, do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), recebia de seu genro, o ex-deputado federal Edilázio Gomes da Silva Júnior (PSD-MA), textos inteiros de decisões judiciais, incluindo sentenças e despachos, e os reproduzia como manifestações oficiais da Corte. O episódio faz parte do amplo esquema investigado pela Operação 18 Minutos, que aponta a existência de uma organização criminosa instalada nas estruturas do tribunal há pelo menos dez anos.

As informações constam da denúncia de 313 páginas apresentada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinada pela subprocuradora-geral Luiza Cristina Frischeisen. Segundo a acusação, a desembargadora – que é cunhada do ex-presidente José Sarney – e outros magistrados integrariam um esquema que envolvia corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, com o objetivo de fraudar decisões judiciais e liberar valores milionários em alvarás, especialmente contra o Banco do Nordeste.
Decisões sob encomenda
Interceptações da Polícia Federal revelam que Edilázio Júnior não só discutia teses jurídicas com a sogra, como redigia trechos completos de decisões que seriam posteriormente encaminhados por Nelma Sarney à sua assessoria para formalização no sistema do tribunal.
Em uma das conversas obtidas pela PF, Edilázio escreveu:
“Conceder o efeito suspensivo em parte, tão somente para impedir qualquer levantamento até o julgamento do presente agravo de instrumento.”
O mesmo texto, com pequenas variações, apareceu na sentença assinada por Nelma:
“Defiro o pedido liminar para conceder o efeito suspensivo requerido, ressaltando que todos os valores depositados somente poderão ser levantados por quaisquer das partes após o julgamento do mérito deste agravo de instrumento.”
A então chefe de gabinete da magistrada, Zely Brown, confirmou a influência direta do genro sobre a elaboração das decisões judiciais. Em uma troca de mensagens com a desembargadora, Zely relata o pedido de reconsideração de Edilázio referente a um processo de apelação da empresa São Benedito. Nelma responde com um simples “Ok”, autorizando o prosseguimento.
Esquema milionário e saque em 18 minutos
A Operação 18 Minutos – batizada em referência ao curto intervalo entre uma decisão judicial e o saque de R$ 14,1 milhões de uma conta judicial – aponta que o grupo agia de forma coordenada para acelerar trâmites, manipular a distribuição de processos e garantir o levantamento irregular de recursos.
Entre os acusados estão também os desembargadores Luiz Gonzaga Almeida Filho, Antônio Pacheco Guerreiro Júnior, Marcelino Everton Chaves (aposentado), e os juízes Alice de Souza Rocha e Cristiano Simas de Souza. O Ministério Público solicita a perda de seus cargos e o ressarcimento de R$ 54,3 milhões, supostamente desviados em propinas.
Conluio para favorecer advogados
A investigação mostra que Nelma Sarney, então corregedora do TJ-MA, usou o cargo para manobrar a distribuição de processos. Em um caso específico, alterou o trâmite de uma ação de execução contra o Banco do Nordeste para que fosse analisada pela juíza Alice Rocha, tida como alinhada ao grupo. A manobra teria permitido a liberação de valores superfaturados para o advogado Francisco Xavier, que atuou para o banco na década de 1990.
Segundo a PGR, Edilázio Júnior era sócio do escritório Maranhão Advogados, que representava Xavier, e atuava diretamente nas negociações com a sogra, com apoio dos advogados Felipe Ramos (filho de Xavier) e Carlos Luna.
Lavagem de dinheiro e rede familiar
A denúncia detalha como os valores obtidos de forma ilícita eram lavados por meio de depósitos fracionados, boletos bancários e transferências para terceiros, como assessores e familiares. A Polícia Federal identificou que Carlos Luna chegou a pagar cerca de R$ 100 mil em boletos bancários em nome de Edilázio Júnior e sua esposa, Alina Sarney, filha da desembargadora.
Além disso, Paulo Martins, assessor de Nelma Sarney e ex-assessor de Edilázio na Câmara dos Deputados, teria recebido transferências de advogados investigados.
Apesar de alegar não se familiarizar com operações digitais, a desembargadora mantinha uma holding familiar, a Tresa Empreendimentos e Participações Ltda., usada como instrumento de blindagem patrimonial.
Reuniões presenciais e propina em espécie
A denúncia também reconstrói o cronograma de reuniões presenciais realizadas na casa de Edilázio, nas quais propinas em dinheiro vivo teriam sido repassadas. Em uma delas, em 6 de novembro de 2021, os advogados envolvidos sacaram valores em espécie em dias anteriores. Outro encontro ocorreu em 5 de maio de 2022, com presença da própria Nelma Sarney.
Entre 2015 e 2023, a desembargadora teria recebido centenas de depósitos em espécie, a maioria em valores fracionados para evitar alertas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
A líder da organização
A PGR classifica Nelma Sarney como líder do núcleo judicial da organização criminosa, com papel ativo na construção das decisões e no favorecimento a advogados próximos. Já Edilázio Júnior é apontado como o elo entre os núcleos judicial e causídico, sendo o responsável por “intermediar interesses, operacionalizar pagamentos e redigir peças jurídicas” para influenciar decisões.
O Ministério Público também imputa a Edilázio os crimes de corrupção passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro e embaraço à investigação.
“As provas demonstram que os desembargadores e os advogados não negociaram somente as decisões narradas nos eventos 1 e 2 (alvarás contra o Banco do Nordeste), mas mantiveram um vínculo estável e permanente durante anos”, escreveu a subprocuradora Frischeisen.
