
A Faixa de Gaza vive um colapso humanitário sem precedentes, com sinais evidentes de fome em larga escala, desnutrição aguda e mortes crescentes por inanição, segundo relatório divulgado nesta terça-feira (29) pela Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC) — principal autoridade global em crises alimentares, apoiada pelas Nações Unidas.

“Fome generalizada, desnutrição e doenças estão impulsionando um aumento nas mortes relacionadas à fome”, afirmou a entidade. Para o IPC, o “pior cenário possível de fome” já está em curso em Gaza, ainda que o órgão não tenha formalmente declarado estado de fome, devido à dificuldade de coleta de dados provocada pelo bloqueio imposto por Israel e a insegurança no território.
Com base em dados levantados até 25 de julho, o relatório indica que quase 17% das crianças com menos de cinco anos na Cidade de Gaza sofrem de desnutrição aguda. A situação alimentar é crítica em quase toda a faixa costeira: uma em cada três pessoas passa dias sem comer.
Mortes por fome já são realidade
O documento do IPC revela que pelo menos 16 crianças morreram de inanição desde 17 de julho, e alerta que, sem uma resposta humanitária imediata, a região poderá enfrentar mortes em massa nas próximas semanas. A crise é agravada pelo colapso dos sistemas de saúde, abastecimento de água e infraestrutura, além do deslocamento forçado de mais de dois milhões de pessoas, que vivem hoje em tendas improvisadas ou nas ruas.
O impacto da guerra e do bloqueio israelense
Desde o início da guerra entre Israel e o grupo Hamas, em outubro de 2023, a entrada de alimentos e insumos foi severamente restringida. Entre maio e junho, Gaza recebeu apenas 57 mil toneladas de alimentos, menos da metade do necessário mensal, estimado em 62 mil toneladas.
A média diária de caminhões de ajuda que entra atualmente é de 69 veículos, enquanto a ONU estima que seriam necessários entre 500 e 600 por dia. O bloqueio total imposto por Israel entre março e maio interrompeu completamente a entrada de comida, medicamentos e combustível por mais de dois meses.
Imagens chocantes e pressão internacional
A divulgação de imagens de crianças esqueléticas circulando em veículos internacionais de imprensa gerou forte repercussão e levou líderes globais a cobrarem ação imediata. Nesta segunda-feira (28), o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que as imagens “mostram claramente crianças famintas” e que Israel tem "responsabilidade" na crise. Ele também rejeitou a narrativa israelense de que o Hamas estaria desviando alimentos — acusação que não se sustenta, segundo apuração do New York Times.
Após as declarações de Trump, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, admitiu que “a situação é difícil” e prometeu aumentar a ajuda, mas voltou a culpar o Hamas por explorar politicamente o sofrimento da população. Ao mesmo tempo, Israel tem promovido lançamentos aéreos de ajuda, prática que a ONU considera menos eficiente, mais cara e perigosa que o transporte terrestre.
Acusações de genocídio ganham força
A crise também levou duas importantes ONGs israelenses — B’Tselem e Médicos pelos Direitos Humanos-Israel — a afirmarem que Israel está cometendo genocídio em Gaza, em relatórios divulgados na segunda-feira. É a primeira vez que organizações israelenses fazem esse tipo de acusação contra o próprio governo.
"Como neto de um sobrevivente do Holocausto, é muito doloroso para mim chegar a esta conclusão", disse Guy Shalev, diretor da organização médica. Os grupos citam a destruição do sistema de saúde, declarações de líderes israelenses e o bloqueio de ajuda como evidências de violação do direito internacional.
Mortes ultrapassam 60 mil
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, a guerra já matou mais de 60 mil pessoas e deixou quase 146 mil feridos. Embora o órgão não diferencie civis de combatentes, estima-se que pelo menos 30% das vítimas sejam crianças e 16% mulheres. A ONU continua utilizando os números da pasta como base, diante da falta de acesso internacional à região.
Desde o ataque inicial do Hamas, que matou 1.200 pessoas em Israel e sequestrou 251, o país conduz uma ofensiva militar que devastou a Faixa de Gaza. A comunidade internacional, incluindo a ONU, afirma que o uso da fome como arma de guerra é proibido pelo direito humanitário.
Conclusão
O IPC alerta que a resposta humanitária precisa ser urgente, massiva e sem restrições logísticas. “Não agir agora implicará em mortes em massa”, destaca o documento. Especialistas lembram que, como na Somália em 2011, as declarações de fome costumam vir tarde demais. A realidade já mostra sintomas visíveis: isso é fome, afirmam.
