
Decisão do Supremo Tribunal Federal voltou a colocar o orçamento secreto no centro do debate institucional. O ministro Flávio Dino suspendeu, neste domingo (21), os efeitos do Artigo 10 do Projeto de Lei nº 128/2025, aprovado pelo Congresso Nacional, que autoriza o pagamento das chamadas emendas de relator (RP 9), mecanismo já considerado inconstitucional pela Corte.
O dispositivo revalida restos a pagar desde 2019, referentes a despesas empenhadas e não quitadas que haviam sido canceladas por uma lei aprovada em 2023. Com a mudança, esses valores poderiam ser pagos até o fim de 2026, inclusive recursos oriundos de emendas parlamentares. O impacto estimado aos cofres públicos é de cerca de R$ 3 bilhões.
A decisão tem caráter liminar e ainda será submetida ao plenário do STF. Ela foi tomada em ação apresentada por deputados federais e pela Rede Sustentabilidade. Segundo os autores, dos aproximadamente R$ 1,9 bilhão em restos a pagar de emendas parlamentares inscritos no orçamento desde 2019, cerca de R$ 1 bilhão tem origem nas RP 9.
O projeto foi aprovado pelo Senado na última quarta-feira (17) e encaminhado para sanção presidencial. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até 12 de janeiro para se manifestar. Caso haja veto ao artigo suspenso, o ato deverá ser comunicado formalmente ao ministro relator da ação.
Na decisão, Dino afirma que a revalidação de restos a pagar não processados ou já cancelados relativos às emendas de relator é incompatível com o atual regime jurídico. Para o ministro, trata-se de uma tentativa de reativar um modelo de emenda cuja própria existência já foi declarada inconstitucional pelo STF.
Além da suspensão, Dino concedeu prazo de dez dias para que a Presidência da República preste informações sobre a compatibilidade da medida com a responsabilidade fiscal e com o plano de trabalho homologado anteriormente pelo plenário da Corte.
Histórico do impasse - O debate sobre as emendas ganhou força em dezembro de 2022, quando o STF declarou inconstitucionais as emendas RP 8 (de comissão) e RP 9 (de relator). Após a decisão, o Congresso aprovou uma resolução alterando as regras de distribuição dos recursos, numa tentativa de atender às exigências de transparência impostas pela Corte.
O PSOL, autor de ação contra o modelo, sustentou que as mudanças não foram suficientes. Em agosto do ano passado, Flávio Dino determinou a suspensão dos repasses e estabeleceu que as emendas só poderiam ser pagas mediante critérios claros de rastreabilidade.
No início deste ano, o STF homologou um plano de trabalho no qual o Congresso se comprometeu a identificar parlamentares responsáveis pelas indicações e os beneficiários dos recursos. A liberação das emendas suspensas ocorreu dentro desses parâmetros. Para Dino, porém, não há previsão no plano que autorize a “ressuscitação” de restos a pagar já cancelados.
Na avaliação do ministro, o Artigo 10 do projeto extrapola os limites acordados entre os três Poderes e viola princípios constitucionais, como o devido processo orçamentário, a responsabilidade fiscal e cláusulas pétreas da Constituição.
Contexto fiscal - O projeto de lei que teve o trecho suspenso também trata do corte de incentivos fiscais, principal aposta do governo federal para equilibrar o Orçamento de 2026. A proposta prevê aumento de arrecadação estimado em R$ 22,4 bilhões, além de elevar tributos sobre empresas de apostas on-line, fintechs e companhias que remuneram sócios por meio de juros sobre capital próprio.
Ao justificar a decisão, Dino destacou que o país vive um cenário de graves dificuldades fiscais e que todos os Poderes têm o dever constitucional de colaborar para a preservação do equilíbrio das contas públicas. Segundo ele, o Estado não pode criar ou ampliar despesas de forma desproporcional ou dissociada da capacidade fiscal.
O ministro afirmou ainda que a lógica de contenção deve alcançar práticas problemáticas em diferentes áreas do poder público, incluindo gastos excessivos e concessões pouco transparentes de benefícios fiscais. Para Dino, a tentativa de reativar recursos de emendas parlamentares fora do ciclo orçamentário regular afronta diretamente os princípios da responsabilidade fiscal.

