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A extradição da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), presa nesta terça-feira (29) na Itália, pode levar de um ano e meio a dois anos para ser concluída — isso no cenário mais otimista para a Justiça brasileira. A projeção é do professor de direito processual penal da Universidade de Brasília (UnB) e procurador regional da República, Vladimir Aras, que já atuou como secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Na pior das hipóteses, ela estará solta em breve devido ao espaço para decisão política, como é comum em extradição”, afirmou Aras, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Embora seja membro do Ministério Público Federal, ele deixou claro que comenta o caso apenas como estudioso do tema, já que não integra a equipe responsável pelo processo.
Zambelli viajou à Itália em junho, após ter sido condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos de prisão. A parlamentar foi considerada culpada por envolvimento em esquema de invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no qual solicitou a um hacker a criação de um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Moraes.
Segundo Aras, o processo de extradição envolve uma série de etapas no sistema jurídico italiano. Inicialmente, caberá ao Ministério da Justiça da Itália decidir se confirma ou não a prisão da parlamentar. Caso isso ocorra, o processo segue para a Corte de Apelação de Roma, que julgará o pedido de extradição formalizado pelo Brasil. O governo brasileiro terá até 45 dias para encaminhar esse pedido oficialmente.
Após a formalização, o Ministério Público italiano e a defesa de Zambelli poderão se manifestar no processo. Se a extradição for aprovada, a decisão ainda poderá ser contestada na Corte de Cassação. Mesmo após essa instância, a palavra final cabe ao Ministério da Justiça da Itália — o que insere o fator político na equação.
“Se tudo correr bem, o Ministério da Justiça italiano decide se realmente vai entregá-la ao Brasil. É uma decisão política. Se optar pela extradição, a defesa pode impugnar a decisão no Tribunal Administrativo Regional de Lazio e em seguida no Conselho de Estado”, explicou Aras.
O especialista cita o caso de Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil condenado no escândalo do Mensalão. Pizzolato fugiu para a Itália em 2013 e foi preso em 2014. A Justiça italiana inicialmente negou a extradição, mas reverteu a decisão após recursos. A extradição só foi concretizada em outubro de 2015, após cerca de dois anos de tramitação judicial.
A trajetória de Pizzolato serve como precedente importante, sobretudo por ele também possuir cidadania italiana, assim como Zambelli. No entanto, há diferenças relevantes entre os casos, principalmente no contexto político.
A situação de Zambelli é ainda mais complexa devido à sua dupla cidadania. Segundo o jurista Wálter Maierovitch, ex-desembargador e especialista em direito penal, o critério da nacionalidade "prevalente" costuma ser levado em conta nesses casos. No caso da deputada, ele acredita que a cidadania brasileira deve prevalecer, já que sua vida pública e política foi construída no Brasil.
“O entendimento mais comum é que, nesses casos, se observa qual é a cidadania de referência, ou seja, onde a pessoa tem sua principal atuação. No caso dela, é o Brasil”, afirmou Maierovitch.
Além disso, ele acredita que a argumentação da defesa de Zambelli — que sustenta que ela sofre perseguição política no Brasil — terá pouco impacto, tanto judicial quanto politicamente. “Os crimes pelos quais ela foi condenada têm correspondência no direito italiano. E o governo da primeira-ministra Giorgia Meloni não deve intervir em favor dela, especialmente por estar sob pressão internacional por outro caso de extradição recente”, disse.
O caso citado por Maierovitch envolve o chefe de uma prisão da Líbia, Osama Najim, que foi deportado pela Itália mesmo sendo procurado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra. O episódio gerou forte repercussão negativa sobre o governo italiano, que agora tende a adotar postura mais cautelosa.
Outro fator que pode jogar contra Zambelli é a crescente pressão de parlamentares italianos, que pedem a cassação de sua cidadania italiana, alegando que ela estaria utilizando o benefício para tentar escapar da Justiça brasileira.
Segundo o professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP), Alberto do Amaral Júnior, as regras de extradição diferem entre os dois países. A Constituição brasileira proíbe a extradição de cidadãos nacionais. Já na Itália, essa regra é mais flexível.
“O caso Pizzolato é um exemplo claro disso. Ele também era cidadão italiano, mas foi extraditado porque a Justiça italiana entendeu que a gravidade dos crimes e o interesse da Justiça brasileira justificavam a entrega”, afirmou Amaral.
Diante de tantas variáveis jurídicas e políticas, a extradição de Carla Zambelli permanece incerta. Mesmo que todos os recursos sejam negados, a decisão final caberá ao governo italiano, que poderá autorizar ou barrar o retorno da parlamentar ao Brasil.
Enquanto isso, o processo deve se arrastar por vários meses, com a possibilidade concreta de que ela permaneça em liberdade durante parte ou todo esse período, conforme explicou Vladimir Aras.
