
O Projeto de Lei 2628/2022, conhecido como ECA Digital, voltou à pauta da Câmara dos Deputados nesta semana em meio à repercussão do vídeo do influencer Felca Bressanim Pereira, que denunciou o uso de perfis nas redes sociais com crianças e adolescentes em situações consideradas inapropriadas, com o objetivo de atrair engajamento e monetização.

O projeto, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e relatado na Câmara pelo deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), prevê regras inéditas para o ambiente digital, com foco na proteção de crianças e adolescentes. Entre os pontos principais estão: verificação confiável da idade de usuários, proibição de publicidade direcionada e responsabilidade das plataformas em prevenir riscos.
A proposta ganhou o apoio de mais de 300 organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos da infância e adolescência. O texto traz uma atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para o cenário digital e estabelece penalidades rigorosas para empresas que descumprirem as novas obrigações.
“O projeto cria um ecossistema de regulação para as plataformas digitais em relação a crianças e adolescentes. Ele impõe deveres às plataformas para prevenir danos à infância”, explica Marina Fernandes, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), integrante da Coalizão Direitos na Rede.
Prevenção de riscos e fiscalização mais rigorosa
Com 40 artigos, o PL define que as plataformas digitais devem adotar medidas eficazes para “prevenir e mitigar riscos” relacionados à exposição de crianças e adolescentes a:
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Conteúdos violentos ou sexualizados
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Assédio e bullying virtual
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Jogos de azar e vícios comportamentais
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Promoções de tabaco e bebidas alcoólicas
Atualmente, a verificação da idade dos usuários é feita apenas por autodeclaração, o que permite fácil acesso de crianças a conteúdos não apropriados. O novo texto proíbe essa prática e exige que as plataformas implementem mecanismos confiáveis de verificação da idade a cada acesso.
“As plataformas sabem que há crianças com menos de 13 anos utilizando suas redes, mas não agem para impedir isso. O PL torna obrigatória uma verificação real da idade”, afirma Marina.
Supervisão parental: do discurso à prática
O projeto também fortalece o papel da família na proteção digital, mas reconhece que os responsáveis precisam de ferramentas eficazes e acessíveis. O texto obriga as plataformas a oferecerem:
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Ferramentas para limitar e monitorar o tempo de uso
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Controles para filtrar conteúdos por faixa etária
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Vínculo obrigatório de contas de menores de 16 anos ao responsável legal
Segundo o Idec, ferramentas de controle parental já existentes, como as oferecidas por empresas como a Meta, são pouco funcionais e difíceis de acessar.
“Hoje, os pais não têm como exercer de fato essa supervisão. As ferramentas são mal desenhadas e não bloqueiam conteúdos nocivos. O projeto exige mudanças estruturais nas plataformas”, acrescenta Marina Fernandes.
Publicidade infantil sob novas regras
Um dos trechos mais sensíveis do projeto trata da publicidade voltada a crianças e adolescentes. O texto proíbe:
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Uso de perfilamento de dados de menores para fins publicitários
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Aplicação de realidade virtual, aumentada ou análise emocional com objetivo comercial
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Criação de perfis publicitários com base em dados coletados de menores de 18 anos
Na prática, isso significa o fim do direcionamento de anúncios com base no comportamento digital de crianças — uma das práticas mais lucrativas das grandes plataformas.
“O PL veda expressamente a coleta de dados para publicidade direcionada a menores. Isso é uma mudança significativa na lógica de negócios das redes sociais”, destaca a especialista do Idec.
Sanções para plataformas que descumprirem a lei
Caso as plataformas não cumpram as novas obrigações, o projeto prevê sanções como:
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Advertência com prazo de 30 dias para correção
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Multa de até 10% do faturamento no Brasil
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Multa alternativa de até R$ 50 milhões em caso de empresas sem receita nacional
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Suspensão temporária ou bloqueio da atuação digital da empresa infratora
Atuação do poder público
O PL também prevê a regulamentação, via Poder Executivo, dos mecanismos de supervisão parental e verificação de idade. As regras deverão garantir transparência, interoperabilidade e segurança, especialmente em lojas de aplicativos e sistemas operacionais.
Resistência da oposição e das big techs
Apesar do amplo apoio de entidades da sociedade civil, o PL 2628 enfrenta resistência de parlamentares ligados aos partidos PL e Novo. A deputada Caroline de Toni (PL-SC), líder da bancada do PL, declarou:
“As leis já existem. O que precisamos é de integração entre polícia e plataformas, não de mais regulação que pode servir de pretexto para censura nas redes.”
As gigantes da tecnologia também se manifestaram. O Conselho Digital, que reúne empresas como Meta, Google, TikTok e Amazon, criticou o projeto, afirmando que o texto impõe “obrigações excessivamente rigorosas”.
“O equilíbrio entre a remoção de conteúdos nocivos e a liberdade de expressão torna-se um ponto delicado. Há risco de exclusão indiscriminada de conteúdos legítimos”, alegou a entidade.
Pressão popular e próximos passos
O avanço do PL foi impulsionado por denúncias de uso indevido de crianças em conteúdos digitais. Vídeos como o do influenciador Felca, que expôs a exploração infantil para engajamento, ampliaram o apoio da sociedade à proposta.
Com o regime de urgência aprovado, o projeto poderá ser votado em plenário nas próximas sessões da Câmara. Se aprovado sem alterações, seguirá para sanção presidencial. Caso haja mudanças no texto, retornará ao Senado.
