
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 8/2021, que visa restringir as decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal (STF) e em outros tribunais superiores, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. Com 39 votos a favor e 18 contrários, o texto segue para análise em uma comissão especial antes de chegar ao Plenário.

O projeto tem causado polêmica desde sua aprovação no Senado, em novembro de 2023, e mobilizado diferentes setores da sociedade e especialistas no direito constitucional. O principal ponto da PEC é limitar o poder de um único ministro do STF de suspender, por decisão individual, atos normativos e leis com eficácia geral, ou atos dos presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados. Além disso, a proposta impede que um único magistrado interfira na tramitação de projetos legislativos ou suspenda políticas públicas que impliquem em geração de despesas para qualquer dos Poderes.
O papel de Mato Grosso do Sul na votação - Entre os membros da CCJ que participaram da votação, o único representante de Mato Grosso do Sul foi o deputado federal Marcos Pollon (PL). Como integrante permanente da comissão, Pollon votou a favor da proposta. Ele, assim como outros parlamentares favoráveis à PEC, acredita que a medida é um passo importante para reequilibrar as forças entre os três poderes e reduzir o que consideram como um "protagonismo exagerado" do Judiciário.
Esse é um argumento também sustentado pelo relator da proposta, deputado Marcel van Hattem (Novo-RS). Em sua justificativa, ele destacou que o objetivo é fortalecer a democracia brasileira, devolvendo ao Legislativo maior autonomia diante das decisões do Judiciário. “É uma revalorização deste Poder Legislativo e do mandato parlamentar. Não é razoável numa democracia que uma única pessoa utilize-se do poder de uma caneta para desfazer a decisão de todo um Congresso Nacional”, afirmou Hattem.
O que são decisões monocráticas e por que estão no centro da discussão? Decisões monocráticas são aquelas proferidas por um único ministro, sem a participação dos demais integrantes do tribunal. No STF, elas têm caráter provisório, sendo passíveis de revisão pelo plenário. No entanto, devido ao impacto imediato dessas decisões — que podem suspender leis e atos de alto impacto —, esse poder vem sendo alvo de críticas crescentes.
O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já utilizou decisões monocráticas para suspender repasses de emendas parlamentares ao Orçamento da União, como ocorreu em agosto deste ano. O ministro Flávio Dino decidiu suspender, por tempo indeterminado, a execução dessas emendas, conhecidas como “emendas Pix”, alegando a necessidade de maior transparência nos repasses. Segundo ele, a medida permanece válida até que o Congresso implemente regras para assegurar rastreabilidade nas transferências de verbas públicas.
A medida de Dino gerou reação imediata no Congresso, que a interpretou como uma interferência direta nas prerrogativas parlamentares. Para os críticos dessas decisões, o uso excessivo do poder monocrático por ministros do STF representa uma ameaça à separação de poderes, deslocando para o Judiciário decisões que deveriam caber ao Legislativo.
A PEC e seus desdobramentos políticos - A proposta aprovada pela CCJ pode ter desdobramentos significativos não só no STF, mas em todos os tribunais superiores, uma vez que a PEC propõe restringir o uso de decisões monocráticas em diversas instâncias. Ainda que a medida tenha sido bem recebida por parte dos parlamentares, há quem a veja com ressalvas. Deputados contrários à proposta argumentam que, em certos casos, a intervenção de um ministro pode ser necessária para evitar abusos ou proteger direitos fundamentais.
Outro ponto de divergência é a maneira como a PEC pode impactar o funcionamento do Judiciário. Para críticos da proposta, ao limitar o poder de um único magistrado, o projeto pode enfraquecer a capacidade do STF de reagir rapidamente a eventuais crises institucionais ou jurídicas, retardando decisões urgentes que, em muitos casos, podem necessitar de uma resposta ágil.
O futuro da PEC - Agora, com a aprovação na CCJ, a PEC nº 8/2021 será analisada por uma comissão especial antes de seguir para votação no Plenário da Câmara. Nesse estágio, é possível que o texto seja ajustado ou receba emendas que alterem pontos específicos da proposta. Caso seja aprovada pela Câmara, a PEC retornará ao Senado para uma última avaliação, antes de ser promulgada.
Esse caminho legislativo, no entanto, está longe de ser um consenso. O tema mobiliza tanto defensores quanto críticos em torno de uma questão central: como balancear o poder entre os três poderes da República sem enfraquecer nenhuma de suas funções essenciais? Para além do embate jurídico, a PEC representa uma oportunidade de repensar o papel do STF na política brasileira e seus limites.
A proposta também carrega consigo uma série de implicações políticas. A tensão entre Legislativo e Judiciário, embora não seja nova, tem se intensificado nos últimos anos, à medida que o STF passou a ter um papel mais ativo em decisões de grande impacto nacional, como o julgamento do orçamento secreto e a suspensão de emendas parlamentares. Para muitos parlamentares, a PEC é uma resposta a essa intervenção do STF, ainda que outros setores enxerguem na proposta uma tentativa de enfraquecer o Judiciário.
A PEC nº 8/2021, que limita as decisões monocráticas no STF e em tribunais superiores, é uma proposta que reflete a crescente disputa entre os poderes Legislativo e Judiciário no Brasil. Com a aprovação na CCJ da Câmara dos Deputados, o projeto avança em direção a um cenário que pode redefinir a dinâmica institucional entre os três poderes. No entanto, o caminho até sua aprovação final será marcado por debates intensos, que não se restringem ao campo jurídico, mas também ao campo político, envolvendo discussões sobre a própria essência da democracia brasileira.
