
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (5) o regime de urgência para o projeto de lei que susta os efeitos da Resolução nº 2/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Com isso, o texto pode ser votado diretamente no plenário sem passar por comissões, e parlamentares da base conservadora já articulam sua aprovação ainda nesta quarta. O placar foi de 313 votos a favor, 119 contrários e uma abstenção.
A resolução em debate trata do atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, garantindo a elas o direito à informação sobre a possibilidade de interrupção da gravidez nos casos previstos em lei — como estupro, risco de morte à gestante ou anencefalia fetal — e determina que o aborto legal pode ser realizado sem a obrigatoriedade de boletim de ocorrência ou autorização judicial. Um dos trechos mais contestados diz que recusar atendimento com base na descrença no relato da vítima pode configurar conduta discriminatória, mesmo quando houver objeção de consciência.
O projeto que tenta anular a norma foi apresentado pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ), com forte apoio da bancada cristã, que reúne parlamentares das frentes evangélica e católica. Tonietto argumenta que a resolução trata como direito algo que, em sua avaliação, “não existe”, e que a medida desrespeita princípios constitucionais e religiosos. O relator da proposta, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), presidente da Frente Parlamentar Católica, afirmou que a norma "protege o estuprador" ao permitir o aborto sem o registro formal da denúncia. Ele também alega que a resolução “extrapola os limites legais” e “afronta o direito de acesso do nascituro ao Poder Judiciário”.
Parlamentares de oposição e da base do governo reagiram com críticas à urgência da proposta, classificando-a como retrocesso no atendimento de meninas vítimas de estupro. Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a tentativa de sustar a resolução é uma “proposta cruel contra crianças” e ignora a realidade de vítimas que, em muitos casos, sequer têm condições de formalizar uma denúncia.
Já o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), defendeu a proposta dizendo que “se a mãe não quer, arrume um jeito de adotar, mas nunca assassinar a criança no ventre da mãe”, reforçando a posição da bancada contra o aborto mesmo nos casos legalmente previstos.
Se aprovado no plenário da Câmara e, depois, no Senado, o projeto tornará sem efeito a resolução do Conanda, o que poderá limitar ainda mais o acesso de meninas e adolescentes vítimas de violência sexual ao aborto legal. O debate expõe o embate cada vez mais acirrado entre os direitos reprodutivos, garantidos em lei, e a agenda moral de parte significativa do Congresso Nacional.

