
O ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, do Superior Tribunal Militar (STM), fez duras críticas à presidente da Corte, ministra Maria Elizabeth Rocha, por seu pedido público de perdão às vítimas da ditadura militar brasileira. A manifestação ocorreu na sessão plenária do STM na quinta-feira (30), em Brasília, durante a ausência da magistrada.
Amaral Oliveira, que é tenente-brigadeiro do ar — o mais alto posto da hierarquia da Aeronáutica —, contestou o teor do discurso feito pela ministra durante um ato inter-religioso na Catedral da Sé, em São Paulo, realizado em 25 de outubro, data que marcou os 50 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado por agentes da repressão em 1975.
Segundo ele, a presidente do STM teria expressado uma visão “superficial” e com “abordagem política” ao pedir perdão às vítimas da ditadura em nome da Justiça Militar. “Pode falar o que quiser, pode pensar o que quiser. Eu só não gostaria que o fizesse em nome do Superior Tribunal Militar, porque isso inclui o plenário e eu, particularmente, discordo do conteúdo daquilo que foi manifestado”, declarou o ministro.
Em tom crítico, o militar ainda afirmou que a colega deveria “estudar um pouco mais de História” antes de se posicionar sobre o período da ditadura e sobre as pessoas às quais pediu perdão.
Discurso histórico e nomes citados - No ato na Catedral da Sé, que reuniu lideranças religiosas, políticos e representantes de entidades de direitos humanos, a ministra Maria Elizabeth Rocha fez um pronunciamento considerado inédito no contexto da Justiça Militar brasileira. Em nome da instituição, ela reconheceu os “erros e omissões judiciais cometidos durante a ditadura” e dirigiu-se diretamente a algumas vítimas e familiares.
“Peço perdão a Vladimir Herzog e sua família, a Paulo Ribeiro Bastos e sua família, a Rubens Paiva e a Miriam Leitão e a seus filhos, a José Dirceu, a Aldo Arantes, e José Genoíno, a Paulo Vannuchi, a João Vicente Goulart e a tantos outros homens e mulheres que sofreram com as torturas, as mortes, os desaparecimentos forçados e o exílio”, disse a magistrada.
A fala repercutiu amplamente, tanto por seu teor simbólico quanto por vir de uma autoridade da mais alta instância da Justiça Militar.
Ministra é voz progressista em meio militar conservador - Maria Elizabeth Rocha é a primeira mulher a presidir o Superior Tribunal Militar e uma das poucas civis em um colegiado composto majoritariamente por militares. Ao longo de sua trajetória no STM, tem adotado posições consideradas progressistas e, por vezes, em dissonância com a maioria da Corte.
Em sua gestão anterior como presidente, ela ordenou a degravação de todas as sessões secretas realizadas durante julgamentos de presos políticos no período do regime militar (1964–1985), um gesto apontado por especialistas como importante para o resgate da memória histórica e transparência institucional.
A ministra também tem uma ligação pessoal com a história da repressão: é casada com o general de divisão Romeu Costa Ribeiro Bastos, irmão de Paulo Ribeiro Bastos, militante do grupo guerrilheiro MR-8. Paulo foi morto por agentes do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa) em 1972, durante uma emboscada no Rio de Janeiro, junto com outro integrante do movimento, Sérgio Landulfo Furtado, conhecido como Tom.
Ambos eram filhos do general Othon Ribeiro Bastos. O assassinato de Paulo Bastos, assim como de outras dezenas de militantes da luta armada, integra a lista de casos denunciados por familiares e organizações de direitos humanos como crimes de Estado ainda não responsabilizados judicialmente.
Divisão dentro da Corte - A divergência exposta entre Maria Elizabeth Rocha e Carlos Amaral Oliveira revela fissuras internas dentro do Superior Tribunal Militar, que até recentemente evitava manifestar-se publicamente sobre seu papel durante a ditadura. A manifestação da presidente representou uma ruptura com décadas de silêncio institucional sobre o envolvimento da Justiça Militar em condenações e omissões de violações contra presos políticos.
Ao mesmo tempo, a crítica de Amaral Oliveira reflete a resistência ainda presente em setores das Forças Armadas e da própria Justiça Militar em admitir responsabilidade pelas arbitrariedades cometidas durante o regime.

