
Durante a pandemia de covid-19, o então presidente Jair Bolsonaro e seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, organizaram a distribuição de proxalutamida, um medicamento sem registro na Anvisa e ainda em fase de testes. As investigações da Polícia Federal, com base em dados extraídos do celular de Cid, mostram que a substância foi enviada a diversos aliados de Bolsonaro, mesmo sendo proibida no Brasil.

A proxalutamida, um anti-androgênio não-esteroidal, estava sendo estudada para o combate a alguns tipos de câncer, mas durante a pandemia passou a ser defendida sem comprovação científica como tratamento para a covid-19. Embora a Anvisa tenha autorizado estudos limitados com o remédio, a importação de quantidades além do permitido levou à suspensão de sua utilização.
Proxalutamida até hoje está em estudos e não teve sua aplicação autorizada em países de referência - (Foto: TV Estadão)
Os diálogos obtidos pela Polícia Federal mostram que Bolsonaro e Cid autorizaram a entrega do medicamento para pessoas próximas, incluindo o deputado Luciano Bivar, cuja família recebeu o remédio. No entanto, a comercialização e o uso de medicamentos sem registro na Anvisa configuram crime, com penas de até 15 anos de prisão.
As mensagens revelam que o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, também estava envolvido na distribuição da proxalutamida, orientando sobre o uso do medicamento e tentando garantir sua circulação. Cid chegou a realizar entregas do produto em cidades como Goiânia, e em uma das trocas de mensagens, ele relatou a entrega do remédio a um empresário sertanejo e ao irmão de um cantor famoso.
Bolsonaro foi diretamente mencionado nas autorizações para envio do medicamento, com Cid recebendo ordens claras para distribuir a substância a aliados. A falta de registro na Anvisa e a irregularidade nas entregas indicam a possível prática de crimes de contrabando e falsidade ideológica, com o medicamento sendo entregues sem a devida autorização.
Em resposta às investigações, Cadegiani, médico responsável pelos estudos da proxalutamida, afirmou que nunca orientou o uso do medicamento fora dos limites da pesquisa. No entanto, a operação Duplo Cego, deflagrada pela Polícia Federal, continua apurando as irregularidades envolvendo a distribuição do produto.
As evidências apresentadas pela PF indicam um cenário de negligência e ilegalidade, com altos riscos à saúde pública. Até o momento, o inquérito segue em andamento, e a distribuição de medicamentos sem controle adequado continua sendo investigada.
Em diversos momentos, o ex-presidente Bolsonaro e Mauro Cid discutiram sobre o envio do medicamento. Em junho de 2021, o tenente-coronel enviou uma mensagem a Bolsonaro sobre o estado de saúde do pastor R. R. Soares, que estava internado com covid-19, sugerindo o envio de proxalutamida. Bolsonaro autorizou a ação, com Cid respondendo que faria a entrega.
Outro caso envolveu o deputado Luciano Bivar, que teve um familiar internado com covid-19. O remédio foi enviado a ele, mas, segundo Bivar, o médico responsável não o administrou. O deputado confirmou que o medicamento foi enviado, mas destacou que não houve o uso do remédio, agradecendo o gesto de Bolsonaro sem afirmar se utilizou ou não a substância.
Além disso, os diálogos entre Cid e outros membros próximos ao governo indicam que o medicamento foi distribuído para outras pessoas, como empresários e até familiares de figuras públicas, mesmo sem comprovação científica ou autorização das autoridades sanitárias.
A investigação sobre a distribuição da proxalutamida no Brasil é parte de um inquérito em andamento pela Polícia Federal. A operação Duplo Cego está focada em crimes relacionados ao contrabando, falsidade ideológica e à entrega do medicamento sem a devida regulamentação da Anvisa.
A distribuição irregular desse medicamento pode configurar crime conforme o artigo 273 do Código Penal, que trata da venda ou entrega de medicamentos sem o devido registro sanitário. A pena prevista pode chegar a 15 anos de prisão.
Em resposta às questões levantadas, a Anvisa destacou que a comercialização ou entrega de medicamentos sem registro é ilegal, e que a autorização para o uso da proxalutamida em pesquisas foi suspensa devido a irregularidades nos estudos.
O médico Flávio Cadegiani, responsável pela pesquisa com o medicamento, também foi mencionado nas mensagens. Ele afirmou que nunca orientou o uso do medicamento fora da pesquisa e que a Anvisa já havia devolvido o excedente das cargas importadas.
A operação que investiga esses casos ainda segue em andamento, e novas revelações podem surgir à medida que a Polícia Federal avança nas investigações.
