
Por mais de três décadas, a paisagem de Mato Grosso do Sul foi marcada não apenas pelas vastas plantações de soja e gado, mas também pela sombra de um conflito agrário que envolvia indígenas e produtores rurais. A terra de Ñanderu Marangatu, no município de Antônio João, tornou-se símbolo dessa disputa. Mas na última quinta-feira (26), os deputados estaduais, em uma sessão ordinária da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), celebraram o fim dessa longa batalha. Um acordo mediado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) promete não apenas devolver a paz ao campo, mas também estabelecer um precedente para a resolução de outros conflitos agrários no país.

O STF propôs um acordo que prevê o pagamento de R$ 146 milhões em indenizações aos produtores rurais que ocupavam a área reivindicada pelas comunidades indígenas. O montante será dividido entre R$ 102 milhões pelo valor da terra nua e R$ 27,7 milhões pelas benfeitorias realizadas no local. Para muitos, o acordo é mais do que um acerto econômico; é um passo histórico rumo à pacificação e ao reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, ao mesmo tempo que se oferece compensação justa aos produtores.
Paulo Corrêa (PSDB): "Foi fundamental a participação do governo [...] Daqui para frente, todo ano vai aparecer no Orçamento Geral da União verba destinada à indenização".
O peso da conciliação - O 1º secretário da ALEMS, deputado Paulo Corrêa (PSDB), foi um dos principais defensores da resolução pacífica e celebrou o papel decisivo do STF, em especial do ministro Gilmar Mendes, que presidiu as audiências de conciliação. "Foi fundamental a participação do governo", afirmou Corrêa, lembrando que a ALEMS já havia aprovado a criação de um fundo para indenização de terras, mas que, até então, nunca havia recebido o aporte financeiro necessário por parte da União. "Acredito que daqui para frente, todo ano vai aparecer no Orçamento Geral da União verba destinada à indenização, porque não é só Mato Grosso do Sul que tem conflito. O Brasil inteiro tem conflitos para serem resolvidos", completou o deputado, em um tom otimista.
Em reconhecimento à atuação de Mendes e de todos os envolvidos, Corrêa propôs uma Moção de Congratulação, que será enviada aos principais atores do processo. Para o parlamentar, o acordo de conciliação mediado pelo STF marca uma "grande conquista para o Brasil, para Mato Grosso do Sul e para todos os envolvidos no processo".
Gerson Claro (PP): "Índios e produtores passam a ter esperança de dias melhores. Temos que congratular, sem buscar culpados e heróis".
O papel da Assembleia Legislativa - O presidente da ALEMS, deputado Gerson Claro (PP), também foi enfático ao destacar o papel da Assembleia na condução dos debates. "Há mais de 30 anos, o Parlamento Estadual busca o consenso, que era tido como impossível", afirmou Claro. Ele destacou que a busca pela paz no campo foi uma prioridade desde o início de sua gestão. "Deixando de lado posições ideológicas, o compromisso humanitário sobressaiu. Índios e produtores passam a ter esperança de dias melhores. Temos que congratular, sem buscar culpados e heróis", disse o presidente, em tom conciliador.
Para Claro, o resultado do acordo é mais do que uma vitória jurídica; é um marco na busca por estabilidade e paz em uma região marcada pela violência e pelo sofrimento de ambas as partes. "Que possamos comemorar outras [soluções] que virão", concluiu.
Pedro Kemp (PT): "A violência instaurada pela disputa resultou em várias mortes [...] Não podemos corrigir uma injustiça praticando outra".
Um precedente para o Brasil? Pedro Kemp (PT), deputado estadual, trouxe à tona o aspecto humano por trás do conflito. Ele relembrou que a disputa pela terra já havia resultado em mortes, a mais recente sendo a de Neri da Silva, um jovem que perdeu a vida em um dos embates. "A violência instaurada pela disputa resultou em várias mortes", lamentou Kemp, destacando que o acordo não apenas coloca um fim a um conflito específico, mas também abre portas para a pacificação em outras áreas de Mato Grosso do Sul. "A solução é a indenização dos proprietários", argumentou o deputado, apontando que essa abordagem deve ser replicada em outras regiões do estado.
Kemp reforçou a necessidade de evitar novas injustiças. Ele lembrou que muitos pequenos produtores rurais, que dependiam da terra para sua subsistência, acabam sendo prejudicados quando suas propriedades são retomadas pelas comunidades indígenas. "Não podemos corrigir uma injustiça praticando outra", afirmou, defendendo a necessidade de garantir os direitos de todos os envolvidos.
Junior Mochi (MDB): "Teremos um 'case' de sucesso, importante para estabelecermos novos consensos e avançar. Um ato histórico".
O fundo de terras indígenas e a paz no campo - Junior Mochi (MDB), outro nome importante nos debates, enfatizou a criação do Fundo Estadual de Terras Indígenas (Fepati) como uma das principais ações da ALEMS para mediar os conflitos. Ele vê o acordo como um "ato histórico", que pode servir de modelo para a resolução de outros embates semelhantes em todo o país. "Ao chegar a uma solução pacífica e consensuada, damos um passo decisivo para solucionar outros conflitos da mesma natureza. Teremos um 'case' de sucesso, importante para estabelecermos novos consensos e avançar", destacou Mochi.
A pacificação de Ñanderu Marangatu, para Mochi, é um exemplo de como o diálogo e a mediação podem superar o conflito, que "aumenta com o passar dos anos". Ele acredita que a decisão não apenas trará tranquilidade para os envolvidos, mas também sinaliza "o caminho da paz em Mato Grosso do Sul".
Uma solução que pode inspirar o país - Mato Grosso do Sul é, sem dúvida, um dos estados mais emblemáticos quando se trata de conflitos por terras indígenas no Brasil. Mas essa disputa está longe de ser um problema isolado. O país inteiro enfrenta situações semelhantes, onde o direito dos povos indígenas à terra entra em choque com a realidade dos produtores rurais que ocupam essas áreas há décadas.
O acordo de conciliação mediado pelo STF em Ñanderu Marangatu, ao garantir a permanência dos indígenas em suas terras e oferecer compensações financeiras justas aos produtores, pode servir de inspiração para a resolução de conflitos em outras partes do país. Se Mato Grosso do Sul, com suas histórias de décadas de violência e tensão, conseguiu encontrar um caminho para a paz, talvez outras regiões possam seguir o mesmo exemplo.
Enquanto as negociações continuam e o processo de indenização avança, a sensação geral entre os deputados estaduais é de alívio e esperança. Pela primeira vez em muitos anos, parece possível que tanto indígenas quanto produtores rurais possam finalmente olhar para o futuro com mais tranquilidade.
