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ACORDO NO STF

Acordo de paz ou resistência? Gleice Jane critica conciliação do STF e pede mais lutas indígenas

Acordo histórico em Mato Grosso do Sul enfrenta críticas da deputada, que pede novas lutas por demarcação, destacando as lacunas sobre danos ambientais e compensações.

26 setembro 2024 - 18h10Ricardo Eugenio, com informações de Evelise Couto
Apesar de conciliação, Gleice Jane aponta que luta por direitos indígenas deve continuar
Apesar de conciliação, Gleice Jane aponta que luta por direitos indígenas deve continuar - (Foto: Assessoria ALEMS)

Na última quarta-feira (25), um acordo no Supremo Tribunal Federal (STF) foi firmado para resolver o longo e sangrento conflito pela posse de terras no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul. O território em disputa, Ñanderu Marangatu, é reconhecido como de ocupação tradicional indígena, mas por décadas foi palco de tensões entre produtores rurais e os povos Guarani Kaiowá. Participaram do acordo representantes do Governo Federal, do Ministério dos Povos Indígenas, do Governo Estadual, lideranças indígenas e proprietários rurais. A conciliação incluiu a promessa de indenização de R$ 145,8 milhões aos produtores e trouxe alívio para uma região acostumada à insegurança e à violência.

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No entanto, para a deputada estadual Gleice Jane (PT), que tem uma forte atuação em defesa dos direitos indígenas no estado, o acordo foi apenas mais um episódio na "luta inacabada" dos povos originários. Em suas declarações, a deputada celebrou o reconhecimento do território Ñanderu Marangatu, mas fez questão de reiterar que a luta não termina aqui. "A resistência continua", ela declarou, evocando uma narrativa de constante combate. Para Gleice, os indígenas ainda precisam ser compensados pelos danos ambientais, além das vidas perdidas ao longo do conflito, como a de Neri Guarani Kaiowá, um jovem de 23 anos morto na semana anterior.

Mapa mostra localização do Território Nhanderu Marangatu, na fronteira com o Paraguai.
Mapa mostra localização do Território Nhanderu Marangatu, na fronteira com o Paraguai - (Foto: Reprodução/Google)

Quando a paz não é suficiente - O tom da deputada soa, no mínimo, desconcertante. Em um momento em que finalmente parece haver uma luz no fim do túnel para uma questão que se arrasta há décadas, Gleice Jane opta por manter o foco na resistência, ignorando o potencial pacificador do acordo. A conciliação não foi simples — envolveu anos de negociações, concessões de ambas as partes e uma intervenção do STF. Foi, de fato, um momento histórico, raro em um país onde disputas fundiárias entre indígenas e agricultores muitas vezes terminam em tragédia.

Mas para Gleice, a palavra "acordo" não parece ter o mesmo valor conciliatório que para os outros atores envolvidos. Embora reconheça a vitória com o avanço da demarcação de Ñanderu Marangatu, sua visão continua pautada em uma luta permanente, como se a paz não fosse uma opção ou, no mínimo, insuficiente. Ela insiste que o Estado deve compensar os indígenas pelos danos ao meio ambiente e pela contaminação dos rios, além de garantir a demarcação de todos os territórios, sem levar em conta que o próprio acordo em questão é um importante passo na direção de resolver esses problemas.

Em sua fala, a deputada parece ofuscada pela retórica da resistência — como se lutar fosse mais importante do que alcançar uma solução concreta e definitiva. Em nenhum momento, Gleice Jane parece considerar que a conciliação pode representar uma oportunidade de recomeço, de construir uma relação de diálogo e paz com os produtores rurais, que também têm sofrido com a insegurança jurídica e os conflitos violentos.

Resistir até o fim — mas até onde? Gleice Jane reforça que o acordo, por si só, não resolve os problemas de fundo, como a necessidade de um plano claro para a demarcação de terras. Ela destacou, inclusive, que durante a visita dos ministros Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Wellington Dias (Desenvolvimento Social) a Campo Grande, falou da importância de um cronograma que contemple a solução definitiva para todas as áreas em disputa. Segundo a deputada, sem um plano concreto e ações objetivas, os problemas voltarão a se repetir. “Precisamos de um plano de ação concreto que inclua a demarcação de todas as terras indígenas”, afirmou.

Ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, fala na presença de parlamentares e autoridades de MS.
Em 18 de setembro, o ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, fala na presença de parlamentares e autoridades de MS.

Essa visão, embora possa soar como um posicionamento firme e idealista, falha ao não reconhecer o momento atual. A conciliação no STF, ainda que não seja o fim de todos os conflitos, é uma importante conquista. É um ponto de partida para construir um futuro mais pacífico e inclusivo — e uma oportunidade que deveria ser celebrada, não criticada. A insistência em tratar cada avanço como insuficiente abre pouco espaço para dialogar, negociar e buscar soluções que satisfaçam a todos os lados.

O acordo firmado esta semana — se homologado — traz uma possibilidade real de pacificação em uma região que foi palco de violência e insegurança. Ainda que a compensação de R$ 145,8 milhões aos produtores rurais não contemple a totalidade dos direitos reivindicados pelos indígenas, é um passo significativo na resolução de um impasse que parecia sem fim.

O que Gleice Jane não vê O problema é que, ao manter o discurso de resistência a qualquer custo, Gleice Jane corre o risco de alimentar o conflito ao invés de promover uma paz possível. O acordo não apaga as injustiças históricas sofridas pelos indígenas, mas é um reconhecimento legal, uma oportunidade de começar a corrigir os erros do passado. E, no entanto, para a deputada, parece que não basta. Mesmo em face de um raro momento de conciliação, Gleice opta por manter um discurso de confronto.

Essa abordagem pode ter consequências preocupantes. A retórica constante da "luta" e da "resistência" tende a polarizar ainda mais uma questão que necessita, urgentemente, de diálogo. O conflito, que já ceifou vidas e gerou insegurança para indígenas e produtores rurais, precisa de soluções reais, não de uma perpetuação do embate. A conciliação no STF abre uma porta para a pacificação, mas a deputada parece preferir mantê-la entreaberta, esperando por uma resolução perfeita que nunca virá.

Paz e conciliação: não são sinônimos de desistência - O acordo em questão não é um ponto final, mas pode ser um novo começo. A luta pelos direitos indígenas não termina com a conciliação, mas também não deve transformar-se em uma batalha eterna. As lideranças indígenas envolvidas no processo sabem disso e, ao aceitarem o acordo, demonstram que o caminho para o progresso passa pela construção de pontes, não pelo prolongamento das trincheiras.

Gleice Jane, ao manter sua postura intransigente, arrisca ignorar que a paz e a conciliação não são sinônimos de desistência. Pelo contrário, elas representam a possibilidade de transformar uma luta em conquistas concretas, garantindo direitos, preservando o ambiente e, acima de tudo, salvando vidas.

A resistência tem seu valor, mas saber quando é hora de abraçar o diálogo pode ser ainda mais valioso.

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