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VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

‘Uma noite de terror, mas que era uma dura realidade’, define vítima de assalto que terminou em estupro

Superar o trauma do estupro não foi nada fácil para quem sofreu nas mãos de um homem que invadiu sua casa, e transformou sua noite tranquila de sono em um pesadelo sem fim

15 julho 2018 - 06h00William Silva
Persistente entre as vítimas de estupro, o silêncio é o comportamento responsável por esconder a identidade de quem sofre a violência de um dos crimes mais subnotificados que existem
Persistente entre as vítimas de estupro, o silêncio é o comportamento responsável por esconder a identidade de quem sofre a violência de um dos crimes mais subnotificados que existem - William Silva

O nome do agressor, da vítima, do delegado e a cidade onde os abusos aconteceram não serão divulgados para preservar a identidade da pessoa. A reportagem decidiu chamá-la de Bruna como nome fictício.

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Superar o trauma do estupro não foi nada fácil para essa mulher de 42 anos, que tenta esquecer a violência que sofreu nas mãos de um homem que invadiu sua casa, e transformou sua noite tranquila de sono em um pesadelo sem fim. Ela passou horas de terror nas mãos do estuprador.

“Você já assistiu a um filme de terror? Quando você fica com muito medo, só que na verdade é real. Você com aquele terror sabe, é muito medo, com a faca no pescoço, só pensava em Deus, só pedia ajuda para ele não me matar. Mas você está ali, na mão dele, se quisesse passar a faca no pescoço pronto, aí acabou tudo”, diz Bruna.

Para a mulher violentada, o estupro não tem explicação nem motivos, já que segundo a vítima era para ser somente um roubo, mas ele já foi com a intenção de fazer maldade. Ele não usou preservativo, o que facilitou reconhecimento pelo material colhido, e somente teve o cuidado de esconder o rosto com um capuz. Mas antes de ir embora, fez mais ameaças, pegou o dinheiro de Bruna, e disse que ele mesmo chamaria a polícia para soltá-la das amarras em cima da cama.

“Ele pegou na minha lavanderia minhas meias de academia, enfiou uma delas na minha boca, amarrou a minha boca com a outra, me beliscava e queria que eu gritasse para ver se saía a voz. Claramente a intenção dele já era me estuprar, ele queria ver se eu conseguia gritar. Então, ele amarrou as minhas mãos junto aos meus pés, me jogou na cama e começou o arsenal de terror. Fez tudo que tinha direito e depois foi ao banheiro, se lavou, pegou minha toalha, enrolou o dinheiro. Depois ainda fez várias ameaças, dizendo que iria matar meu filho e por fim perguntou meu endereço, falando para que eu não me preocupasse, pois ele mesmo chamaria a polícia para vir me soltar”, relembra.

Na época, Bruna era concursada pública e casada com um médico, tinha construído uma casa no interior do estado. Uma casa boa, segundo ela, com piscina, bem grande, porém por se tratar de estar em uma cidadezinha de interior, o casal não se preocupou muito com a segurança da residência. Não havia câmeras, nem cerca elétrica, nada do tipo para proteção. “Eu não tinha prova nenhuma contra ele, porque ele estava de capuz e não pude ver o rosto, a única prova que eu tinha era o corpo de delito para prosseguir com a denúncia”, diz.

Bruna não conseguiu mais ficar na cidade, já que todos a conheciam e ficaram sabendo de sua história. Sentindo-se mal naquele lugar e sabendo que ele ainda estava solto, o medo era constante na sua rotina, “Tinha medo que ele pudesse vir de novo, eu não consegui mais dormir naquela casa. Minha vida assim mudou completamente aí eu vim para Campo Grande”.

Após 5 meses de investigação o indivíduo foi pego pela polícia, pois o mesmo continuou furtando na cidade. Além de ter estuprado mais duas mulheres. “Na época eu denunciei e me expus, todos me conheciam e eu queria que a justiça fosse feita de qualquer forma e não me calei, fui até o fim”.

“Eu percebi que quando eu falo sobre o meu abuso, eu tô ajudando outras mulheres, para elas se sentirem encorajadas a denunciar. Porque o caminho mais certo que se tem é denunciar e não se calar frente a isso”.

De acordo com o delegado responsável pela investigação, a denúncia foi crucial na captura do indivíduo. “A comunicação do crime é muito importante para que a polícia possa realizar seu trabalho. A disposição dela de vir até a delegacia e prosseguir com a denúncia foi ponto chave para chegarmos até a prisão e ao reconhecimento do criminoso ”, disse o delegado.

“O mais importante é se lembrar de que você não teve culpa”, diz Bruna em seu relato e lembra que há muitos serviços que podem ajudar na superação do trauma, incluindo órgãos especializados, conselheiros e grupos de apoio.

Persistente entre as vítimas de estupro, o silêncio é o comportamento responsável por esconder a identidade de quem sofre a violência de um dos crimes mais subnotificados que existem. Um dos grandes problemas enfrentados pelas equipes de investigação é a ausência de denúncia por parte da vítima. “A maioria das mulheres que sofrem este tipo de abuso e violência não denunciam e algumas somente aparecem para prestar queixa depois que o indivíduo é preso”, contou a delegada Ariene Murad, da Delegacia da Mulher de Campo Grande. Segundo ela, existem três fatores que impedem as denúncias: vergonha, medo de não acreditarem na versão da vítima e rejeição em reviver o trauma do estupro, contando o que aconteceu.

O agressor, apesar de não escolher um perfil específico, ele observa e identifica as melhores condições e circunstâncias para cometer o delito.

O ano de 2017 fechou com 27 feminicídios, 1.473 estupros e 18.475 violência doméstica no Estado. Em 2018, de janeiro até o dia 28 de março, 328 mulheres foram estupradas em Mato Grosso do Sul. Considerando o número de dias, são 3,7 casos a cada 24 horas. Em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram 379 casos, houve queda de 13%, mas ainda assim o número é alto.

A filosofa, psicóloga especialista em cognitivo-comportamental, mestra em estudos fronteiriços e doutoranda em psicologia clínica Maria Romilda ressalta que não se deve falar em excesso de violência contra a mulher, mas sim que a violência é reforçada pela cultura machista. “Não acredito que é só no Brasil, porque o temperamento do homem faz parte da construção de sua personalidade, e isso depende do meio em que se vive. A violência é uma expressão de como a pessoa é formada, acredito que vai levar um bom tempo para diminuir esses números de violência, porque a relação de cuidado com o outro começa desde a gestação, e essa relação precisa ser moldada por carinho, atenção e limites, pois só assim desenvolverá uma afetividade positiva para o ser humano, diz a psicóloga.

Hoje, os cuidadores dos menores já estão afetados por um desenvolvimento afetivo negativo. A psicóloga lembra que é preciso tomar consciência e mudar de atitude para com os menores, assim se formarão adultos afetuosos, consequentemente diminuindo a violência contra a mulher e também contra o outro de um modo geral.

O Código Penal prevê pena mínima de 6 anos e máxima de 30 anos para estupradores, variando de acordo com a gravidade do caso.

“Todos os cuidados necessários devem ser tomados em 72 horas após o estupro. Por isso, é importante que as vítimas procurem um hospital, ou mesmo a delegacia da mulher mais próxima e a Polícia Militar”, orientou a delegada Ariene Murad.

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