
A Polícia Federal identificou, em análise preliminar da Operação Sisamnes, uma lista de processos vinculados ao gabinete da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Isabel Gallotti, no celular do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves. A investigação apura a existência de um suposto esquema de venda de decisões judiciais em tribunais estaduais e superiores, com envolvimento de advogados, intermediários e ex-servidores do STJ.
Segundo relatório da PF, uma das mensagens trocadas por Andreson com o advogado Roberto Zampieri — assassinado em dezembro de 2023 — inclui a expressão “voto pronto e enviado para você”, o que pode indicar, nas palavras dos investigadores, um “controle paralelo das atividades jurisdicionais” dentro da Corte.
Embora o nome da ministra Gallotti apareça na análise, ela não é investigada. Por meio de sua assessoria, afirmou “desconhecer o conteúdo da investigação” por tramitar sob sigilo, e que seu gabinete está à disposição para colaborar com o que for necessário “a fim de que os fatos sejam cabalmente apurados e os envolvidos responsabilizados”.
Esquema de ‘leilão’ de decisões - O relatório, assinado pelo delegado Marco Bontempo, aponta que servidores e assessores teriam atuado para oferecer decisões judiciais favoráveis a advogados e partes interessadas, transformando o julgamento de ações em um mercado clandestino. A prática descrita envolvia o envio de listas de processos a operadores externos que, por sua vez, negociavam resultados.
“Fontes ouvidas revelaram que operadores vinculados ao gabinete receberam listagens de processos em tramitação, a partir das quais passavam a procurar advogados ou partes interessadas, oferecendo a eles a possibilidade de aquisição do resultado jurisdicional”, diz o documento da PF.
O esquema, segundo os investigadores, funcionava de “dentro para fora”, com participação ativa de servidores estratégicos e movimentações financeiras suspeitas.
Entre as trocas de mensagens analisadas, está uma de 7 de fevereiro de 2020, na qual Andreson informa a Zampieri que um processo identificado como “os ED da Cátia”, que tramitava no gabinete da ministra Gallotti, estava “concluso” e com decisão prestes a ser publicada. Pouco depois, afirma que a decisão já havia saído.
Em 10 de fevereiro, nova conversa indica promessa de pagamento. Dois dias depois, R$ 150 mil foram transferidos para a empresa Florais Transportes, de propriedade de Andreson. No mesmo mês, outros R$ 100 mil já haviam sido repassados por Zampieri, totalizando R$ 250 mil em apenas dez dias.
Andreson está em prisão domiciliar desde julho deste ano, por decisão do ministro Cristiano Zanin, do STF.
Três núcleos e servidores investigados - A PF estruturou a Operação Sisamnes em três frentes principais: antecipação indevida de votos, intermediação ilícita de decisões e movimentações financeiras atípicas. Os investigadores apontam que até R$ 10 milhões circulavam por dia em contas de laranjas envolvidas no esquema.
Além da ministra Gallotti, o relatório menciona sete ações sob sua relatoria e outras cinco da ministra Nancy Andrighi, que também não é alvo da investigação. Os investigadores ainda apuram possíveis vazamentos de informações relacionadas à Operação Faroeste, deflagrada em 2019 contra membros do Tribunal de Justiça da Bahia.
Estão sob investigação os seguintes ex-servidores:
Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete de Gallotti.
Márcio José Toledo Pinto, ex-assessor no STJ, exonerado após sindicância.
Rodrigo Falcão, ex-chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.
Segundo o relatório, esses servidores teriam promovido alterações em minutas, manipulado decisões e repassado informações internas a intermediários externos.
A defesa de Daimler, feita pelo advogado Bernardo Fenelon, afirmou que o nome dele foi usado indevidamente:
“Seu nome foi utilizado de maneira espúria para gerar uma influência fictícia. Os contatos telefônicos com o nome ‘Daimler’ pertencem a terceiros que ele desconhece absolutamente”, disse.
A assessoria da ministra Nancy Andrighi afirmou que os processos de responsabilização estão em andamento e que os responsáveis devem ser punidos exemplarmente. O gabinete de Og Fernandes informou que o ministro “não tem conhecimento dos novos fatos” e defendeu que “quem cometer ato ilícito deve assumir as consequências legais”.
