
Uma megaoperação nacional envolvendo mais de 1.400 agentes públicos desmantelou um esquema de fraude no setor de combustíveis que, entre 2020 e 2024, movimentou ilegalmente cerca de R$ 52 bilhões. Segundo a investigação, o plano foi orquestrado com o envolvimento direto do Primeiro Comando da Capital (PCC), que usou empresas de fachada, ameaçou empresários, adulterou combustíveis e criou uma rede complexa de lavagem de dinheiro por meio de fintechs e fundos de investimento.

A Operação Carbono Oculto, coordenada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por meio do Gaeco, cumpre 315 mandados de busca e prisão em Mato Grosso do Sul e outros sete estados: São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Somente em MS, são investigadas uma empresa em Dourados e sete em Iguatemi.
De acordo com a Receita Federal, mais de mil postos de combustíveis participaram do esquema, grande parte com movimentações financeiras milionárias incompatíveis com o pagamento de tributos. Foram detectados postos que não venderam uma gota de combustível no período de quatro anos, mas receberam mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais, indicando uso como fachada para lavagem de dinheiro.
Importação ilegal de metanol e combustíveis fora dos padrões - Um dos pontos centrais da fraude foi a importação irregular de metanol, produto altamente tóxico e inflamável, pelo Porto de Paranaguá (PR). O produto, ao invés de ser entregue aos destinatários indicados em nota fiscal, era desviado e distribuído de forma clandestina para postos e distribuidoras, onde era utilizado para adulterar combustíveis.
Além disso, foram identificadas fraudes tanto quantitativas quanto qualitativas: consumidores pagavam por volumes menores do que o informado nas bombas ou por combustível adulterado, fora das especificações exigidas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo). A adulteração gerava lucros bilionários para o esquema, ao custo de riscos à segurança pública e danos ambientais.

Empresários ameaçados de morte - As investigações também revelaram que donos de postos de combustíveis foram ameaçados de morte após venderem seus negócios e não receberem os valores acordados. Em muitos casos, ao tentarem cobrar, foram intimidados por membros da organização criminosa.
Segundo o Ministério Público, a rede do esquema funcionava com camadas de interpostas pessoas e empresas de fachada (shell companies), fundos de investimento e instituições de pagamento ligadas ao crime organizado, para dificultar a identificação dos verdadeiros beneficiários.
Lavagem de dinheiro via fintechs e fundos de investimento - A complexidade do esquema chamou a atenção das autoridades: o grupo criminoso utilizava fintechs controladas por seus membros para movimentar recursos. Essas empresas financeiras operavam com contabilidade paralela, recebendo valores em espécie, e facilitando transferências sem que os beneficiários fossem identificados.
Entre 2022 e 2023, foram realizados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, somando R$ 61 milhões. As fintechs utilizadas pelo PCC operavam fora das práticas esperadas de instituições de pagamento, usando brechas regulatórias para ocultar o fluxo financeiro.
Parte do dinheiro foi reinvestida em bens de alto valor por meio de fundos de investimento criados para blindar o patrimônio ilegal. A Receita Federal identificou ao menos 40 fundos de investimento, com patrimônio estimado em R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa. Esses fundos, na maioria dos casos, eram fechados e com um único cotista, dificultando o rastreamento.
Entre os bens adquiridos estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (e mais duas em negociação), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis, mais de 100 imóveis, incluindo seis fazendas em São Paulo avaliadas em R$ 31 milhões e uma mansão em Trancoso (BA), comprada por R$ 13 milhões.
Postos autuados em mais de R$ 891 milhões - A Receita Federal já constituiu R$ 8,67 bilhões em créditos tributários devidos por pessoas e empresas envolvidas no esquema. Além disso, cerca de mil postos investigados foram autuados em mais de R$ 891 milhões.
A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) entrou com ações civis para bloquear mais de R$ 1 bilhão em bens dos investigados, incluindo imóveis e veículos. A operação envolveu ainda o Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, Receita Federal, ANP, Secretaria da Fazenda de São Paulo e outros órgãos.
Rede criminosa com estrutura empresarial sofisticada - O que mais impressiona no caso é a estrutura empresarial que o PCC criou para lavar o dinheiro. O grupo absorveu distribuidoras, transportadoras e postos de combustíveis para montar uma cadeia controlada verticalmente. Parte do combustível importado – como nafta, hidrocarbonetos e diesel – era comprado por importadoras com dinheiro de formuladoras e distribuidoras ligadas à organização.
Essa estrutura empresarial servia tanto para sonegar tributos quanto para dar aparência de legalidade às operações do grupo. Os órgãos de fiscalização destacam que a escolha de fintechs e fundos de investimento foi deliberada para dificultar o trabalho de rastreamento das movimentações.
Investigação continua - As investigações ainda estão em curso e devem resultar em novas autuações, prisões e medidas cautelares. O MPSP não descarta o envolvimento de mais pessoas jurídicas, especialmente administradoras de fundos e instituições financeiras que teriam colaborado para a ocultação dos valores e bens.
Segundo as autoridades, a operação representa um passo importante para desarticular financeiramente o PCC e retomar o controle regulatório do setor de combustíveis, frequentemente alvo de fraudes bilionárias.
