Apesar do cenário geopolítico desafiador, especialistas ouvidos pelo Broadcast, do Grupo Estado, avaliam que o Brasil pode assumir protagonismo na adoção de biocombustíveis como caminho para descarbonizar o transporte marítimo. A expectativa é de que o país reforce essa mensagem durante a COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em 2025.
O debate ganha força após o impasse na Organização Marítima Internacional (IMO), que adiou a definição do Marco Net-Zero — conjunto de metas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor. A falta de consenso ocorreu na sexta-feira (17 de outubro), marcada pela oposição dos Estados Unidos à proposta de um “imposto global sobre o carbono”.
A IMO havia proposto, em abril, dois pilares para o Marco Net-Zero:
- Um padrão global de combustível;
- Um mecanismo de precificação de emissões.
As medidas seriam aplicadas de forma gradual a partir de 2027, mas o debate travou. Um grupo de trabalho ainda tentará avançar nas próximas semanas, com nova rodada de discussões prevista para daqui a 12 meses.
O Brasil acompanha de perto as negociações, já que os biocombustíveis como etanol e biodiesel são considerados “drop-in fuels” — compatíveis com motores marítimos atuais e alternativas imediatas ao bunker, combustível fóssil usado em navios.
“A IMO sofre influências geopolíticas claras, com a Europa moldando regulações e apresentando um grande entrave inicial”, afirmou Camilo Adas, diretor de Transição Energética da Be8, empresa líder nacional no mercado de biodiesel.
Adas, que também integra o Conselho de Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB), defende que o país use a COP30 para promover sua biotecnologia e bioenergia. Ele cita estudos da USP e da Agência Internacional de Energia (AIE) que comprovam que a produção de biocombustíveis não ameaça a segurança alimentar.
“Não existe o dilema ‘prato x tanque’. Há uma complementaridade: o cultivo de matéria-prima para biodiesel pode recuperar terras degradadas e aumentar a produtividade agrícola”, explica.
Relatório da Boston Consulting Group (BCG) aponta que o Brasil reúne condições únicas para se tornar pilar da descarbonização marítima global, capaz de suprir até 15% da demanda mundial de biocombustíveis, evitar 170 milhões de toneladas de CO e atrair US$ 90 bilhões em investimentos.
Os especialistas Nilton Mattos e Antonio Augusto Reis, do escritório Mattos Filho, consideram positiva a abordagem híbrida defendida pela IMO, que combina maior eficiência da frota com incentivos e penalidades baseadas em emissões.
“A variável de intensidade de carbono é útil porque condiciona o navio a ser mais eficiente em seu uso de combustível, o que pode abrir espaço para os biocombustíveis brasileiros”, avaliam.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), destaca que políticas de incentivo e regimes de subvenção serão essenciais para impulsionar a transição energética no transporte aquaviário. “Esses instrumentos aceleram a adoção de tecnologias em portos, transportes e embarcações”, diz nota técnica da estatal.
Além do marco regulatório, a infraestrutura portuária global ainda precisa se adaptar. “Não adianta ofertar combustíveis sustentáveis no Brasil se não houver onde reabastecer na China, grande destino das exportações brasileiras”, alertam os especialistas do Mattos Filho.
