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Justiça

Projeto Padrinho celebra 25 anos de compromisso com crianças e adolescentes acolhidos

26 junho 2025 - 16h09

Nesta quinta-feira, dia 26 de junho, o Projeto Padrinho, iniciativa do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul, completa 25 anos de atuação em prol de crianças e adolescentes acolhidos em instituições no Estado. Criado em 2000, o projeto nasceu com a proposta de aproximar a sociedade da realidade de meninos e meninas em situação de vulnerabilidade, promovendo o retorno ao convívio familiar e o fortalecimento dos vínculos afetivos e sociais.

Idealizado pela então juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude da capital, Maria Isabel de Matos Rocha, atualmente desembargadora aposentada, o Projeto Padrinho se consolidou como uma política pública reconhecida nacionalmente. Atualmente, está presente em dezenas de comarcas de Mato Grosso do Sul, sendo referência no acolhimento afetivo, voluntário e financeiro de crianças e adolescentes em situação de risco.

Para a Coordenadoria da Infância e da Juventude (CIJ) do TJMS, sob o comando da desembargadora Elizabete Anache, a data é um marco histórico, pois considera que o Projeto Padrinho representa um divisor de águas no cuidado com a infância e juventude no Estado, totalizando 25 anos de um trabalho que mobiliza corações e transforma vidas.

A juíza Katy Braun do Prado, titular da Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso de Campo Grande, sempre quando questionada sobre a relevância do Projeto Padrinho, faz questão de reforçar o papel pioneiro do Judiciário sul-mato-grossense na idealização do projeto. Para a magistrada, essa forma aparentemente simples de envolver a sociedade no cuidado com as crianças e adolescentes teve tamanha repercussão que o apadrinhamento afetivo foi reconhecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como um instituto de direito.

O projeto oferece diferentes formas de apadrinhamento, sendo eles: Afetivo, quando o padrinho ou madrinha estabelece um vínculo com a criança, proporcionando carinho, convivência e atenção; Voluntário, no caso de profissionais de diversas áreas que oferecem gratuitamente seus serviços às instituições de acolhimento; e financeiro, seja com contribuições que auxiliam nas necessidades materiais das crianças, como vestuário, medicamentos e cursos, seja patrocinando o acesso à cultura por meio do cinema, teatro, visitas a museus etc.

As histórias de transformação são muitas e continuam ocorrendo dia a dia. Na última segunda-feira (23), o Projeto Padrinho foi implantado na comarca de Costa Rica. A juíza Laísa Marcolini, responsável pela implementação local, ressaltou o crescimento pessoal que se envolver com o projeto traz para a vida. “Na verdade, quem mais ganhou fui eu. Fui eu que aprendi com eles o que é amor desinteressado, o que é a fé no futuro, mesmo quando o presente não é fácil. Essas crianças trazem esperança e amor, e quem aprende com elas somos nós”, afirmou a magistrada.

Com uma equipe dedicada composta por assistente social, psicóloga e pedagoga, sob a coordenação da juíza Katy Braun, na capital o projeto atende atualmente mais de 100 crianças e adolescentes acolhidos, número que varia conforme a demanda. A maior procura é pelo apadrinhamento afetivo, mas há constante necessidade de padrinhos financeiros, especialmente para atender situações emergenciais.

Quem pode apadrinhar – Podem participar do Projeto Padrinho pessoas físicas maiores de 18 anos e também pessoas jurídicas.

Os interessados devem apresentar requerimento de inclusão no cadastro do projeto, acompanhado da documentação prevista em regulamentação específica, como cópias de documentos pessoais, comprovante de residência, certidões negativas de antecedentes e, no caso de pessoas jurídicas, CNPJ e contrato social. No caso de casais, os documentos de ambos devem ser apresentados, inclusive quando o apadrinhamento for realizado de forma conjunta.

A participação no Curso Preparatório para Apadrinhamento é obrigatória para aqueles que desejam atuar na modalidade afetiva, pois a formação busca capacitar voluntários para o exercício consciente e responsável desse vínculo.

Para marcar a data, a desembargadora aposentada Maria Isabel de Matos Rocha, idealizadora do Projeto Padrinho, escreveu um texto especial em que compartilha reflexões e memórias sobre a trajetória da iniciativa. O conteúdo está disponível na íntegra ao final desta matéria.

Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (67) 3317-3512.

Depoimento da juíza fundadora do Projeto Padrinho – Maria Isabel de Matos Rocha

Eu sempre atuei como juíza da Infância em várias comarcas do Estado, mas o tempo que mais me marcou como experiência humana e profissional foi ser juíza da Vara da Infância de Campo Grande, por 12 anos.

Quando ali cheguei, encontrei um prédio velho e mal conservado, equipe psicossocial insuficiente, rede de atendimento municipal e estadual precárias, instituições de crianças que funcionavam muito fechadas, e as crianças não tinham acesso à convivência comunitária nem a contatos externos. Suas famílias eram pobres e sem acesso a programas de apoio público.

Perante tanta precariedade humana e institucional, senti que precisava fazer algo diferente. Senti que precisava mostrar e mobilizar a sociedade para conhecer essas crianças e adolescentes, pois sabia que, depois de conhecê-los, esses adultos não poderiam mais esquecer que eles existiam. Eles iriam doar seu tempo, seu carinho, sua atenção, seu interesse e sua preocupação com a sorte e o futuro dos pequeninos.

E assim foi.

A boa vontade e o altruísmo de pessoas comuns, chamados madrinhas e padrinhos, foram imediatos e entusiasmados. Eles queriam ajudar de forma material, afetiva e psicológica as crianças dos nossos processos. Foi muito comovente ver como a sociedade veio, com sorrisos nos lábios, trabalhar voluntariamente, doar seu tempo e suas competências profissionais em favor das crianças.

Mas essa parte, eu não sonhava nem nos sonhos mais lindos.

Porque tudo isso, no começo, parecia impossível.

Essa ideia dos padrinhos, eu já havia levado a várias entidades, como clubes de serviço e entidades filantrópicas, propondo assim: “Nossos processos têm as crianças, e vocês, sociedade, nos ajudem divulgando e trazendo pessoas que possam colaborar, apoiando essas crianças.

Mas não tive uma resposta, nem entusiasmo da parte deles?

Mesmo assim, acreditei que isso não era impossível e fiz o lançamento do Projeto Padrinho em 2000, convidando toda a sociedade. E a sociedade, sim, respondeu às nossas campanhas e mobilizações, que improvisamos com os poucos meios que possuíamos. Talvez devesse ser esse o destino: começar de qualquer jeito e como fosse possível, por mais precário que fosse (uma salinha, uma funcionária, o primeiro computador – comemorado!). Uma vez, um padrinho me confidenciou que só se aproximou para ajudar porque viu que era uma iniciativa do Poder Judiciário. Confiou na idoneidade e no altruísmo da proposta.

Mesmo dentro do Poder Judiciário, muitos talvez pensassem que isso não era tarefa de um juiz e da Justiça, porque, enfim, seria uma iniciativa assistencialista. Não vislumbravam que o apoio às crianças, sobretudo o afetivo, era essencial para a saúde psicológica delas.

A maior alegria que tive foi quando uma madrinha veio falar comigo para confidenciar que estava preocupada com seu afilhado, pois este menino, de 9 anos, na terceira série, ainda não sabia ler nem somar, mesmo estando na escola. Ela perguntava o que fazer! Eu disse: “Vá até à escola, fale com a professora, diga que é uma madrinha e que quer ajudar. Pergunte como deve fazer.” Se um menino tem uma madrinha que age como uma mãe, preocupada com seu progresso escolar... era tudo o que eu queria: que cada criança tivesse alguém especial que se importasse com ela.

Em 2003, o TJMS editou a Resolução nº 429/2003, que oficializou o Projeto Padrinho, facilitando a adoção desse projeto nas comarcas de todo o Estado.

O que se seguiu, todos sabem: o Projeto Padrinho está em muitas comarcas sul-mato-grossenses, e minha equipe viajava o Estado divulgando e apoiando a criação do projeto em toda comarca que o desejasse.

Enquanto juíza da Infância e, depois, quando colaborei com o Dr. Joenildo Chaves, quando ele assumiu como o primeiro Coordenador da Infância e Juventude do TJMS, e também quando fui coordenadora, promovemos a ação “Coordenadoria vai às Comarcas”, divulgando as ações da Vara da Infância de Campo Grande para inspirar e apoiar as comarcas que quisessem replicar os projetos.

Em setembro de 2007, no III ENAJE, em São Luís do Maranhão, tive a alegria e o orgulho de receber, das mãos do coordenador nacional da Campanha Mude um Destino, Dr. Francisco Oliveira Neto, o troféu do concurso promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros. O Projeto Padrinho foi o vencedor em primeiro lugar, escolhido como a melhor ação entre mais de 200 projetos concorrentes de todo o Brasil.

Ao longo destes 25 anos de vida do Projeto Padrinho, ele enfrentou avanços e também dificuldades. Houve tempos em que não teve tanto apoio institucional, por certo, por parte de alguns que não conheceram de perto as crianças beneficiadas com esse apoio humano dos padrinhos. A lei que criou este instituto do apadrinhamento veio dar razão e suporte legal aos que sempre se preocuparam com as crianças — os juízes da Infância.

Neste lindo aniversário do Projeto Padrinho, quero agradecer a cada padrinho, cada madrinha! Cada voluntário que trabalhou no Projeto Padrinho! Que a vida lhes dê em dobro o afeto e a solidariedade de vocês!

O que eu desejo é vida longa ao Projeto Padrinho — e que ele só deixe de existir quando já não for necessário.

Mas será que o afeto e o carinho desinteressado pelas crianças e jovens um dia serão desnecessários?

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