
O delegado Wilton Vilas Boas de Paula, titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra as Relações de Consumo de Campo Grande (Mato Grosso do Sul), informou ao jornal "A Crítica" que instaurou uma investigação preliminar contra a loja de informática WSNet, autorizada da Apple Computer Brasil na Capital, para apurar a recusa da empresa de não vender um acessório para aparelho celular em razão de que o consumidor não quis fornecer o seu endereço eletrônico (e-mail) para compor o cadastro junto ao estabelecimento comercial.

O fato inusitado aconteceu no último dia 30 de julho e, após denúncia do cliente, a equipe de fiscalização do Procon Municipal foi até o estabelecimento comercial, localizado na Rua Antônio Maria Coelho nº 3.426, e, depois de confirmar a recusa da venda junto ao responsável pela loja, Jonathan Martins da Silveira, lavrou um auto de infração contra a WSNet Soluções em Informática pela prática abusiva. "O Procon encaminhou o procedimento, mas, como estava incompleto, tive de notificar o órgão de defesa do consumidor para mandar já com o parecer jurídico sobre o caso", informou o delegado Wilton Vilas Boas.
O titular da Decon completa que, independentemente disso, já instaurou uma investigação preliminar para ver se o fato pode ser enquadrado como uma questão criminal ou um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), que é um registro de fato tipificado como infração de menor potencial ofensivo, ou seja, um crime de menor relevância, que tenham a pena máxima cominada em até dois anos de cerceamento de liberdade ou multa. "Na próxima semana, já vou intimar a vendedora e o responsável pela loja WSNet para prestar esclarecimento, assim como o consumidor e uma testemunha", revelou.
Segundo o delegado Wilton Vilas Boas, a denúncia foi baseada no Artigo 39, inciso IX, do CDC (Código de Defesa do Consumidor), que proíbe ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais. "Como foi uma recusa de venda, o fato pode ser enquadrado como um processo administrativo, mas, também pode ser um crime contra o consumidor. Por isso, foi instaurada essa investigação preliminar para apontar o que realmente aconteceu", pontuou.
Questionado se já tinha recebido alguma denúncia de loja se negar a vender um produto por falta de um e-mail do cliente, ele falou que um fato inédito. "Nos dois anos que estou à frente da Decon, não tinha visto algo nesse sentido. Já teve um procedimento de recusa de venda de combustível, mas o proprietário do posto de combustíveis estava escondendo a mercadoria para esperar o preço subir. Recusa de venda de mercadoria porque o cliente não quis fornecer o endereço eletrônico é inédito, com certeza é a primeira vez, pelo menos nesta Delegacia", revelou.
Na avaliação do delegado Vilas Boas, os consumidores devem ficar atentos em relação aos seus direitos e, por isso, aconselha que eles sempre devem exigir a nota fiscal na compra de qualquer produto. "Para fazer uma denúncia nos órgãos de fiscalização, o consumidor precisa ter em mãos a nota fiscal. Infelizmente, no Brasil, ainda existe muita informalidade e, nem sempre, o consumidor exige a nota fiscal, mas, para evitar prejuízos futuros, é bom pegar pelo menos o recibo de compra.
Entenda o caso
Na manhã de 30 de julho, ao ser atendido pela vendedora da loja WSNet Soluções em Informática, autorizada da Apple Computer Brasil em Campo Grande (MS), um consumidor teve sua compra de acessórios para aparelho celular negada em razão de não desejar fornecer o seu e-mail para compor o cadastro junto à loja. "Escolhi o produto e disse que o pagamento era à vista. A funcionária solicitou os meus dados cadastrais, RG, número do CPF, endereço e prontamente atendi. No entanto, por derradeiro solicitou o meu e-mail, o que neguei, pois, a experiência me ensina que é comum, dias após você informar seu e-mail em uma loja, começar a receber mensagens de quem você nunca viu", pontuou o cliente.
Ele completou que era um absurdo a exigência. "Imagine minha mãe, de 80 anos de idade, que não tem endereço eletrônico e quer comprar um produto nessa loja. Não vai poder comprar?", reclamou. Os argumentos do cliente não foram suficientes para convencer a atendente que efetuasse a venda e a ele restou a alternativa de recorrer ao Procon e fazer a reclamação sobre o quê, na opinião dele, foi considerado um abuso por parte da loja. Já no período da tarde do mesmo dia, a equipe de fiscalização do Procon esteve no estabelecimento e foi atendida pelo responsável Jonathan Martins da Silveira.
O cliente, presente na oportunidade, que esperava ter sua compra concluída em face das ponderações por parte dos fiscais, ouviu novamente, agora do responsável pela WSNet Soluções em Informática, a negativa da venda do produto caso o e-mail não fosse fornecido. A coordenadora de fiscalização do Procon, Elaine de Oliveira Espíndola, informou à reportagem de "A Crítica" que foi lavrado um auto de infração em face da loja pela prática abusiva. O diretor do Procon, Vinicius Viana Alves Corrêa, tomou conhecimento do fato e informou que a empresa autuada seria intimida a prestar o contraditório e, confirmados os fatos alegados pelo consumidor, haverá a lavratura de multa.
O secretário-adjunto da Secretária de Finanças e Planejamento de Campo Grande, auditor fiscal Sérgio Padovan, foi claro ao afirmar que "para emissão de nota fiscal de serviço, basta a discriminação do serviço executado, nomes do tomador e do prestador do serviço, endereço, CNPJ ou CPF, porém, não sendo obrigatório que seja informado o e-mail". "Nos programas de informática para emissão notas fiscais existe um campo onde pode ser informado o e-mail do tomador do serviço, o que facilita o envio do documento fiscal. Porém, o preenchimento não é obrigatório", frisou o auditor fiscal de carreira, Sérgio Padovan. "Se o consumidor não quiser fornecer ou não tiver e-mail, a nota fiscal deve ser impressa pela loja prestadora de serviço", finalizou Padovan.
No âmbito estadual, quando se trata de venda e circulação de mercadorias, a responsabilidade das normatizações recai sobre a Secretaria de Fazenda. A reportagem obteve informações vindas do Coordenador da Unidade de Gestão de Documentos Fiscais e Eletrônicos da Secretaria de Estado de Fazenda do Mato Grosso do Sul, auditor fiscal Edson Ochigame, de que "não existe normativa que obrigue o consumidor a fornecer seu endereço de e-mail para compor seu cadastro que tenha por fim, emissão de nota fiscal por parte do fornecedor. Outros dados pessoais, como CPF ou CNPJ, estes sim, são obrigatórios".
Já o chefe da Unidade de Educação Fiscal da Secretaria Estadual de Fazenda (Sefaz), fiscal e ex-deputado estadual Amarildo Cruz, foi mais enfático ao afirmar que a prática de se exigir do consumidor seu endereço eletrônico, sob o falso argumento da necessidade para se emitir e enviar a nota fiscal, é um verdadeiro abuso por parte de quem faz isso. Ele disse ainda que "isso é prática comum de fornecedores que querem formar seu portfólio cadastral para depois enviar correspondência eletrônica, muitas vezes a contragosto do cliente". "Muitos, não posso afirmar que este seja o caso da empresa WSNet, vendem esses cadastros para terceiros. Imagine quanto não custa, nesses tempos difíceis de acesso ao cliente, uma listagem com o endereço eletrônico de centenas de consumidores com um perfil possuidor de Iphone?", finalizou.
