
A violência sexual é percebida como o principal tipo de violação sofrida por meninas no Brasil. É o que mostra a pesquisa Percepções sobre violência e vulnerabilidade de meninas no Brasil, realizada pelo Instituto QualiBest a pedido da Plan Brasil.

O levantamento, divulgado neste Dia Internacional da Menina (11), revela que 87% dos brasileiros apontam a violência sexual como a que mais atinge meninas, e 43% a consideram a mais comum no país. Também aparecem com destaque as violências física, psicológica e online, esta última relacionada a casos de assédio, cyberbullying e exposição de imagens.
A gravidez na adolescência, muitas vezes consequência de abuso sexual, foi mencionada por 56% dos entrevistados.
A pesquisa ouviu 824 pessoas de todas as regiões e classes sociais, sendo 433 mulheres e 381 homens. Para 90% dos participantes, a adultização de meninas — quando são tratadas como mulheres adultas — também é uma forma de violência.
Por outro lado, temas como falta de acesso à educação (36%), casamento infantil (43%), trabalho infantil (46%) e negligência (48%) foram menos citados.
A especialista em gênero e inclusão da Plan Brasil, Ana Nery Lima, alerta que ainda há uma compreensão limitada sobre o tema.
“Quando falamos de violência de gênero, muitos pensam apenas em agressão física. Mas há outras formas de violência que levam ao feminicídio e a outras violações”, afirma.
Segundo ela, entender o ciclo da violência — que envolve tensão, agressão e reconciliação — é essencial para romper o vínculo entre vítima e agressor.
Mais da metade dos entrevistados (60%) acredita que as meninas estão mais vulneráveis hoje do que há dez anos, índice que sobe para 69% entre pais e mães.
Internet aumenta exposição e vulnerabilidade
O ambiente digital aparece como o mais perigoso para as meninas, segundo 92% dos entrevistados. Mais da metade (51%) afirma que filhos e filhas menores têm perfis em redes sociais, principalmente no Instagram (80%), WhatsApp (75%), TikTok (57%) e YouTube (49%).
A pesquisa aponta que 74% dos pais publicam fotos dos filhos na internet, sendo que 6% o fazem em perfis abertos. Apenas 8% não aplicam nenhum tipo de restrição.
A maioria (92%) defende punições a adultos que explorem financeiramente ou exponham meninas de forma indevida na internet.
Apesar disso, 83% dos entrevistados acreditam que a internet é o ambiente mais perigoso, enquanto apenas 33% citaram a própria casa — o que contraria dados oficiais, segundo os quais a maioria das violências ocorre dentro do lar, geralmente praticadas por pessoas conhecidas.
Risco doméstico ainda é subestimado
A diretora da SaferNet Brasil, Juliana Cunha, explica que há uma falsa sensação de segurança em relação ao ambiente doméstico. “A sociedade ainda associa perigo a pessoas estranhas, quando, na verdade, grande parte das violências vem de dentro de casa ou de pessoas próximas”, afirma.
Ana Nery Lima reforça que esse equívoco pode deixar meninas ainda mais vulneráveis. “Muitas vezes, o agressor é alguém de confiança — um familiar, um professor ou uma pessoa admirada socialmente. É preciso reconhecer isso para mudar o cenário”, diz.
Ela acrescenta que o enfrentamento à violência passa pelo reconhecimento coletivo da responsabilidade social.
“Nossa sociedade ainda reproduz machismo e misoginia. É preciso admitir que essas violências podem ocorrer em qualquer ambiente, inclusive nos lares e instituições”, afirma.
Deepfakes e novas formas de violação
A pesquisa também alerta para o avanço de novas tecnologias usadas em violações contra meninas, como os deepfakes — montagens com uso de inteligência artificial que inserem rostos de adolescentes em imagens ou vídeos de conteúdo sexual sem consentimento.
Um estudo da SaferNet Brasil, divulgado na última segunda-feira (6), identificou 16 casos de deepfakes sexuais em escolas de dez estados brasileiros, com 72 vítimas e 57 agressores, todos menores de 18 anos.
Os estados com mais ocorrências foram Alagoas, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A maioria dos episódios ocorreu em escolas particulares.
A SaferNet alerta que o número real pode ser maior, já que não há monitoramento sistemático das autoridades sobre esse tipo de crime. A organização mantém uma plataforma para denúncias e materiais educativos voltados a escolas e profissionais da educação.
