
Dois crimes recentes envolvendo abuso infantil em Campo Grande acenderam o alerta sobre a falta de ações eficazes para prevenir a pedofilia. A juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância da Capital, defende punição com tratamento e critica a ausência de políticas públicas voltadas ao tema.

A violência contra crianças voltou ao centro das discussões em Mato Grosso do Sul. O assassinato brutal de uma menina de seis anos e a prisão de um jornalista acusado de abusar sexualmente de um garoto de 11 anos escancararam a fragilidade na prevenção desses crimes e colocaram o sistema de justiça em alerta.
A juíza Katy Braun do Prado, titular da Vara da Infância, Adolescência e do Idoso de Campo Grande, explica que o problema vai além do aspecto criminal. “Ser pedófilo não é crime. O crime é praticar o abuso. Nem todo pedófilo abusa, mas todo abuso deve ser punido”, esclarece.
O que é pedofilia e o que é crime? - A magistrada explica que a pedofilia é reconhecida como um transtorno psiquiátrico, caracterizado por impulsos sexuais em relação a crianças. Porém, a simples existência desse desejo não configura crime.
“Há pessoas com esse transtorno que jamais cometerão um delito. Outras, sim, e precisam ser responsabilizadas por isso”, afirma Katy.
A juíza também aponta que nem todos os abusadores têm transtornos mentais. Alguns são chamados de “situacionais”, ou seja, se aproveitam de momentos de vulnerabilidade para cometer o crime. “Esses casos são mais difíceis de prever, por isso exigem atenção redobrada em todos os ambientes onde crianças convivem com adultos.”
Segundo a juíza, o Judiciário lida com pedófilos em três frentes:
Na Vara da Infância Protetiva, quando o agressor faz parte do convívio familiar;
Na Vara de Atos Infracionais, envolvendo adolescentes abusadores;
Na Vara Criminal, nos casos em que adultos praticam crimes sexuais contra crianças.
Nesses casos, além da pena ou medida socioeducativa, o juiz pode determinar tratamento psicológico ou psiquiátrico.
Para Katy Braun, a punição por si só não é suficiente. “A reincidência é alta quando não há tratamento. Pedófilos precisam de acompanhamento terapêutico contínuo. É um problema de saúde mental e deve ser tratado como tal.”
Ela alerta, porém, que o Brasil não oferece tratamento gratuito específico para essas pessoas. “O SUS não tem estrutura para isso. Apenas alguns hospitais universitários oferecem esse tipo de acompanhamento, e ainda assim de forma limitada.”
A juíza lamenta que, apesar do agravamento do problema, não existam leis que prevejam atendimento psicológico contínuo para pedófilos que querem se tratar. “Há famílias que buscam ajuda para impedir que um parente venha a cometer um crime, mas não têm para onde levá-lo. Quem tem dinheiro até consegue um tratamento particular. Os outros, não.”
Ela defende a criação urgente de uma política pública voltada a esse público. “É uma forma de prevenir novos crimes, de proteger crianças antes que elas sejam vítimas.”
