
Em Aquidauana, a terra começou a mudar de cor. Era novembro de 2022 quando as imagens de satélite revelaram os primeiros traços. Um desmatamento de 1,42 hectare em uma área classificada como Remanescente de Vegetação Nativa. Depois, em março de 2023, mais 0,40 hectare. Os mapas falavam. A vegetação sumia. No lugar dela, o que restava era espaço aberto — e dúvidas.

Agora, a 1ª Promotoria de Justiça de Aquidauana tenta entender o que aconteceu. A vinícola Terroir Pantanal, até então conhecida por unir vinhos autorais à paisagem pantaneira, está no centro de um inquérito civil que apura desmatamento ilegal sem autorização ambiental. A área total suprimida soma 1,82 hectare, uma pequena fração de terra — mas, no bioma Cerrado, cada hectare importa.
O monitoramento foi feito pelo Nugeo (Núcleo de Geolocalização), braço técnico do Programa DNA Ambiental, que cruza dados geoespaciais e sobreposições de vegetação nativa com cadastros oficiais. A promotora Angélica de Andrade Arruda, responsável pelo caso, notificou os cinco proprietários da vinícola, concedendo dez dias para que apresentem documentos que comprovem a regularidade ambiental da supressão.
A notificação baseia-se no artigo 186 da Constituição Federal, que trata da função social da propriedade rural. Em termos simples: usar a terra não é só direito, é responsabilidade — e deve respeitar critérios ambientais.
Entre a vinha e o Cerrado - A vinícola, cujo nome remete ao conceito francês de “terroir” — aquela combinação única de solo, clima e cultura que define o caráter de um vinho —, agora precisa provar que sua presença na paisagem não compromete o equilíbrio local. A área desmatada, apesar de pequena em relação ao total da propriedade, está inserida num dos biomas mais ameaçados do país. Cada remoção de vegetação impacta diretamente a biodiversidade, o ciclo da água, a temperatura do solo.
Ainda não houve manifestação oficial da empresa. Um dos sócios, Gilmar França, afirmou que ainda não havia sido oficialmente notificado, apesar da publicação no Diário Oficial do Ministério Público e do sistema do órgão já registrar o envio das comunicações. A reportagem segue aberta para esclarecimentos.
A trilha do TAC - O Ministério Público indica que o caso pode ser solucionado de forma consensual, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) — instrumento jurídico que permite ao investigado assumir compromissos de reparação e ajuste de conduta, evitando sanções mais graves. Mas, se os documentos não forem apresentados dentro do prazo, o procedimento poderá seguir para ações cíveis ou penais.
O inquérito não acusa. Apura. Tenta montar um quebra-cabeça em que as peças são imagens de satélite, registros cartoriais, dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural) e mapas com manchas marrons e vermelhas — como as que surgiram nos laudos técnicos anexados ao processo.
