
A morte da ex-guarda municipal, Alliene Nunes Barbosa, assassinada com mais de 20 facadas na frente do filho, em Dourados, a 250 km de Campo Grande, expõe mais uma vez a urgência do enfrentamento à violência de gênero em Mato Grosso do Sul.
O crime, ocorrido ainda na noite de ontem (23), elevou para 37 o número de feminicídios em 2025, superando todo o ano anterior. Autoridades se reuniram nesta tarde (24) para lançar uma ferramenta que irá fornecer mais agilidade e eficácia na resposta institucional, o IntegraJus Mulher.
Mato Grosso do Sul lança sistema digital para agilizar medidas protetivas e enfrentar feminicídios com tecnologia e prevenção - (Foto: Alisson Lacerda)
A iniciativa foi apresentada durante as atividades da campanha mundial dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, com a presença do secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, Carlos Videira, da desembargadora Jaceguara Dantas e da coordenadora estadual da Casa da Mulher Brasileira, Carla Stephanini.
Para o secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp/MS), Carlos Videira, o novo sistema representa um avanço concreto no atendimento às vítimas. Antes, os boletins de ocorrência eram processados fisicamente, com digitação, escaneamento e envio manual. Agora, o processo é digital, e o depoimento da vítima, muitas vezes o único, é gravado em áudio e vídeo, o que permite que o juiz avalie não apenas o conteúdo, mas o estado emocional da mulher.
“Hoje, o que antes podia demorar até 48 horas, leva no máximo uma hora e meia. A vítima sai da delegacia com a medida protetiva deferida. Isso imprime celeridade, reduz custos e otimiza o sistema”, afirma Videira.
“O que antes podia levar até 48 horas, agora acontece em menos de duas. É tecnologia salvando vidas.” – Carlos Videira, secretário de Justiça e Segurança Pública, ao apresentar o sistema IntegraJus Mulher - (Foto: Alisson Lacerda)
O secretário ainda destaca que o sistema é auditável e transparente, integrando polícia judiciária, Poder Judiciário e forças policiais. “Temos hoje protocolos de enfrentamento e acolhimento à vítima. O Estado precisa garantir, de fato, que essas mulheres estejam protegidas.”
Justiça ágil e próxima da mulher - A desembargadora Jaceguara Dantas, que coordenou por anos os trabalhos da Coordenadoria da Mulher no Tribunal de Justiça de MS e foi recém-nomeada para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reforça a importância da tecnologia na proteção de vidas. “Antes, o pedido de medida protetiva levava dias. Hoje, em muitos casos, sai em menos de uma hora. Em comparação à média nacional de cinco dias, estamos muito à frente”, explica.
Ela avalia que o caso recente da ex-guarda municipal mostra a complexidade do problema. A vítima tinha medida protetiva. “Mesmo com o avanço do sistema, há um desafio ainda maior: a prevenção. Precisamos também atuar sobre a cultura que tolera e reproduz a violência.”
“Temos que fomentar uma cultura de paz. Muitos feminicídios são crimes de ódio, com requintes de crueldade.” – Desembargadora Jaceguara Dantas, durante o lançamento do IntegraJus Mulher em Campo Grande - (Foto: Alisson Lacerda)
Com sua nova função no CNJ, Jaceguara pretende levar o IntegraJus Mulher e outras experiências exitosas do estado para serem avaliadas e, possivelmente, replicadas em nível nacional.
A coordenadora estadual da Casa da Mulher Brasileira, Carla Stephanini, foi enfática ao afirmar que os números são alarmantes. “O Brasil teve quase 2 mil feminicídios em 2024. Em Mato Grosso do Sul, já ultrapassamos o total do ano passado, e ainda nem encerramos 2025”, alerta.
Ela reconhece que o enfrentamento à violência contra a mulher não se faz apenas com medidas rápidas. “São situações complexas que não têm soluções simples, mas estamos trabalhando com prevenção, proteção e responsabilização. O IntegraJus representa um avanço nesse sentido, porque acelera a resposta do sistema à agressão.”
Stephanini também citou o Programa Protege, da Secretaria de Cidadania, como exemplo de política pública transversal que envolve diferentes esferas e instituições para garantir proteção integral à mulher. “A luta é de todos: Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria, sociedade civil e imprensa. Todos têm papel nesse processo.”
“São situações complexas que não têm soluções rápidas, mas têm trabalho efetivo constante de prevenção e proteção.” – Carla Stephanini, coordenadora da Casa da Mulher Brasileira, sobre o enfrentamento à violência de gênero em MS - (Foto: Alisson Lacerda)
A digitalização dos processos é vista como uma ferramenta poderosa para tornar mais eficiente a responsabilização dos agressores. “Estamos avançando na coleta de provas, na agilidade das decisões, e agora precisamos evoluir na responsabilização efetiva dos autores da violência. A tecnologia ajuda a construir um processo com mais qualidade”, pontua Carla.
A integração entre os sistemas também é um avanço importante. Antes, boletins eram escaneados e enviados por e-mail. Hoje, tudo está interligado, dando mais agilidade e mais precisão na resposta, além de criar um banco de dados robusto para monitoramento e ações futuras.
Apesar dos avanços tecnológicos e institucionais, as autoridades concordam que a solução definitiva está na mudança cultural. Para a desembargadora Jaceguara, a violência de gênero tem raízes profundas, que só serão enfrentadas com educação e conscientização. “Não basta matar a mulher, tem que destruir sua imagem. São crimes de ódio. Precisamos de uma cultura de paz, de respeito às diferenças, de igualdade.”
Ela defende a inclusão de temas sobre igualdade de gênero nas escolas. “Temos que formar novas gerações com outros valores. Respeito, solidariedade e igualdade precisam ser princípios fundamentais no ambiente escolar e familiar", complementa. “É doloroso ver que, mesmo com a medida protetiva, essa mulher foi morta. Mas isso só reforça o quanto precisamos fortalecer os protocolos, melhorar o acolhimento, ampliar o alcance das campanhas e, sobretudo, continuar construindo ferramentas que salvem vidas”, disse Carlos Videira.
MS já contabilizou 37 feminicídios ao longo do ano, e o penúltimo mês se tornou o mais violento da década, com seis mulheres assassinadas. Também ultrapassou os números do ano passado, quando 35 vítimas foram mortas.

