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SEGURANÇA PÚBLICA

Sob a pressão da Polícia Federal, governo desiste de agência antimáfia

Governo Lula retira criação de agência antimáfia do projeto de lei e endurece penas para crime organizado.

26 agosto 2025 - 06h49
Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, durante anúncio oficial do texto final da Lei Antimáfia, em Brasília.
Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, durante anúncio oficial do texto final da Lei Antimáfia, em Brasília. - (Foto: Divulgação)
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Na semana em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva prometeu enviar ao Congresso o projeto da chamada Lei Antimáfia, um detalhe silencioso, mas central, desapareceu do texto: a criação da Agência Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas. A proposta de montar um órgão específico para coordenar o combate às máfias no Brasil, inspirada no modelo italiano, foi descartada de última hora, após pressão da Polícia Federal e alertas técnicos e políticos dentro do próprio governo.

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A ideia da agência tinha defensores de peso: promotores especializados em crime organizado, como Lincoln Gakiya, e ex-ministros como Raul Jungmann. Eles propunham uma instituição com efetivo próprio, capacidade de recrutar agentes de qualquer força policial, e mecanismos para infiltração e investigação das máfias em ambientes públicos e privados. Tudo isso sob um rigoroso controle de integridade e sem interferências externas. Mas o plano não passou da minuta do projeto.

Na versão final entregue ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a agência já não estava mais lá.

Segundo apuração da reportagem, a Polícia Federal foi contra. A corporação enxergou no novo órgão uma possível sobreposição de funções – ou, dito de outra forma, a criação de um concorrente direto. Técnicos do governo também questionaram a constitucionalidade da proposta e o impacto que ela teria na autonomia do Ministério da Justiça. Além disso, criar um órgão federal com cargos e estrutura própria ia na contramão da atual política de contenção de gastos.

O governo optou por recuar. Desidratou o projeto, mas manteve a espinha dorsal das mudanças.

Sem agência, mas com penas mais duras - Mesmo sem a agência, o projeto traz alterações significativas na legislação penal. O texto endurece as regras para enquadrar organizações criminosas: reduz o número mínimo de integrantes de quatro para três pessoas, com divisão clara de tarefas, e aumenta a pena mínima de 3 para 5 anos de prisão. A máxima sobe de 8 para 10 anos.

Nos casos considerados mais graves, a pena pode saltar para até 20 anos. Isso inclui organizações que usam a força para intimidar, que exercem controle territorial ou político, ou que atuam diretamente em contratos públicos. O objetivo é atingir estruturas como milícias e facções que dominam bairros, vendem serviços clandestinos e interferem até mesmo nas eleições locais.

Organizações que tentarem influenciar o processo eleitoral também entram na mira. A interferência de facções em campanhas eleitorais, por exemplo, pode levar os responsáveis a penas de 12 a 30 anos, especialmente se houver envolvimento de agentes públicos corrompidos.

Criptomoedas, estelionato e lavagem de dinheiro - A Lei Antimáfia também trata dos novos caminhos do crime. Propõe o aumento das penas para quem usar estelionato, extorsão ou lavagem de dinheiro como parte de uma organização criminosa. No caso do uso de ativos virtuais, como criptomoedas, a pena pode ser aumentada em dois terços ou até dobrada, se houver comprovação de vínculo com máfias.

O crime de estelionato, hoje punido com até 5 anos, terá pena dobrada nesses contextos. O mesmo vale para extorsões com grave ameaça – aquelas típicas dos golpes de falso sequestro, muito comuns em esquemas coordenados de dentro das prisões.

Novas regras para prisão preventiva e escutas em presídios - A proposta inclui mudanças também no Código de Processo Penal. A prisão preventiva poderá ser autorizada quando houver risco de fuga ou obstrução das investigações por parte de membros de organizações criminosas. A prisão temporária também ganha novas regras: passa a valer mesmo sem um crime específico, desde que haja ligação com o crime organizado.

Em presídios de segurança máxima, visitas e conversas nos parlatórios poderão ser gravadas. O contato físico será proibido, com a instalação de vidros e interfones. A internação de líderes criminosos no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) poderá ser feita sem autorização prévia da Justiça, embora o juiz ainda possa revogar a decisão.

Proteção a vítimas e testemunhas - Um dos pontos mais simbólicos do projeto é a proteção a vítimas, testemunhas e operadores da lei. O texto assegura que essas medidas deverão durar enquanto houver ameaça concreta à integridade física dessas pessoas. Juízes, promotores e policiais poderão ser incluídos em programas especiais de proteção — assim como seus familiares.

Esse capítulo da lei tem nome e sobrenome. Lincoln Gakiya, promotor ameaçado de morte pelo PCC, vive sob escolta policial há mais de dez anos. A nova legislação tenta institucionalizar a proteção que ele e tantos outros já precisam na prática.

Ganhadores e perdedores - A exclusão da Agência Antimáfia mostra como as disputas internas nos bastidores do poder moldam políticas públicas. A Polícia Federal saiu vitoriosa, preservando seu espaço e evitando a criação de um novo órgão que poderia dividir atribuições. O governo, por sua vez, evitou novos gastos e uma batalha jurídica sobre a constitucionalidade da proposta.

Quem perde são os defensores de um modelo mais ousado, com foco exclusivo no combate ao crime organizado. O plano de criar uma estrutura que mirasse as máfias de forma direta, com agentes próprios e independência, ficou para depois — ou para nunca.

Por enquanto, o combate às organizações criminosas segue com as ferramentas já conhecidas, agora com penas mais duras e regras mais rigorosas. O resto é silêncio nos corredores do Congresso.

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