Bosco Martins (*)

Bonito/MS: Contador de carreira era um homem honrado e trabalhador, amigo e um bom contador de estórias. Assim era o senhor Fuad Abdo Sater, que partiu, aos 84, no ultimo domingo.“ Seu Sater” como era conhecido, nasceu e criou-se em Pedro Juan Cabalero.
Saiu de lá menino para Dourados, onde o pai libanês e a mãe paraguaia, tinham um comércio de secos & molhados.
Posteriormente ainda jovem, veio para Campo Grande, num tempo em que o trajeto era feito de carro de Boi, como lembrou o filho Almir, em emocionada despedida do pai. Na Capital Morena, constituiu família e reconhecimento, adquirindo respeito e notoriedade entre clientes e amigos.
Sempre trabalhou como técnico em contabilidade. Iniciou-se instalando o primeiro escritório no andar de cima, numa das primeiras farmácias São Bento, na rua 14 esquina com a Candido Mariano/Marechal Rondon.
Depois mudou o seu escritório para Pedro Celestino, entre a Maracaju e a Marechal Rondon. Por fim, seu local de trabalho ficava avenida dos estados, próximo a Piratininga, a rua do poeta Manoel de Barros.
E foi no bairro, Jardim dos Estados, que ele se estabeleceu e tornou-se parte da história da cidade. Foi onde construiu a sua “lendária” casa de esquina com a Manoel Inácio de Souza , na rua Espírito Santo, há mais de quarenta anos, fruto de seu próprio mérito e trabalho. Seu Sater , sempre detentor de uma sabedoria impar era um “gentleman” e cidadão de prosa muito boa. A sua casa abriga até hoje sua família e amigos e foi onde ele e dona Nair criaram os quatro filhos Almir, Rodrigo, Cibele e a Gisele.
Sua amada esposa dona Nair, formava o par perfeito, pois ela sempre foi como ele, uma anfitriã muito querida. Comercialino, gostava de futebol e pescaria e conta o filho Almir que sempre que combinavam de ir pescar, não dava outra. Caia um toró daqueles e seu Sater se divertia muito com a chuvarada, em seus dias de inesquecíveis pescarias no pantanal. Ainda hoje quando passo em frente a casa de seu Sater e da dona Nair só boas recordações me vem à memória.
Na década de 80 quando vim trabalhar na TV Morena, sua família foi das primeiras a me acolherem em Campo Grande. A amizade sincera, só fez aumentar, pois dona Márcia, minha esposa, já era amiga da família e a conheci com Almir e a irmã Gisele, tornando nossos laços de admiração ainda maiores.
Era um tempo outro em que conheci seu Sater e bem antes dos filhos e de seu neto, ficarem famosos. Naquela época muitas histórias de vida e convivência já haviam tornado inesquecíveis. Uma que nunca me saiu da cabeça, foi quando o Paulo Simões montou um time de futebol, com artistas e alguns jornalistas, inclusive este narrador.
Colocou o nome de Harmonia EC e convidou ninguém menos que o seu Sater para ser o técnico de nosso time. Pois bem, lembro como se fosse hoje, o seu Sater meio que desconfiado daquele “plantel de bon vivants”, metidos a jogadores de bola e que só queriam saber de festa e tocar violão. Mesmo assim, resolveu assumir o comando do Harmonia EC, embora num primeiro instante lembro ele olhando meio desanimado.
Era missão difícil a de técnico de um time como o Harmonia EC, onde os jogadores além de músicos, poetas e loucos, eram todos voluntários e amantes do esporte.
Mas seu Sater fez sucesso comandando o time com seu bom humor, superando todos os obstáculos do time.
Almir na meia-esquerda, dava mostras abundantes de verdadeiro craque. Tal qual já orquestrava a sua viola, a bola lhe saia dos pés e alcançava sempre o alvo. Parecia fazer com os pés o que já fazia com suas talentosas mãos no “toque ” e acordes de sua viola.
Os maledicentes comentários sobre a trupe de jogadores se transformavam em aplausos. Na verdade, a maioria dos torcedores que acompanhava os jogos do Harmonia EC eram torcedoras. Faziam por causa do Almir, do Celito, do Paulo Simões (nosso ponta direita) entre outros “galãs” das torcedoras/fãs.
Foram tempos de emoção e boa diversão. Aos sábados ou domingos, com o Harmonia EC, quase sempre vencendo. Tive a felicidade de participar, como jogador, desse amado time, fazendo ala com Almir, o Rodrigo, o Marcão, o Carlão, o Zé Gomes, o Miguelzinho, o Índio (um lateral e tanto), a família Espindola (Celito, Geraldo, Jerry, Gilson), o Gaucho na zaga, o Valmir, o Guilherme Rondon, entre outros músicos. Não me esqueço da vibração do seu Sater, numa partida no Morenão, num golaço que marcamos. O
Almir dominou a bola no meio, lançou bonito na esquerda para o Paulinho (deslocado) e acompanhou a jogada. A bola sobrou no seu pé dentro da área, sem marcação. Ele chutou com firmeza, no angulo!! Fez 1 a 0 para o Harmonia EC.
Surpreendemos o time da Imprensa, comandado pelo Arthur Mario, tido como o favorito.
São histórias como essas que me peguei lembrando, olhando-o, na capela, pela ultima vez, até seus filhos chegarem.
Enfim, conversei literalmente com ele, que apenas se mantinha sereno, imóvel, inanimado. Mas de tão sereno, tive a impressão de que seu Sater, partiu feliz e tranqüilo e com a certeza de que cumpriu a sua missão.
E talvez como desejasse... num dia chuvoso, como nos dias que ele mais gostava. A natureza se despediu dele também fazendo a sua homenagem.
* O autor é jornalista e bonitense por adoção e paixão
