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RESSOCIALIZAÇÃO

Reeducandos transformam tecidos em solidariedade e entregam mais de mil peças ao Hospital São Julião

Internos da Penitenciária da Gameleira II confeccionam roupas de inverno para pacientes em tratamento, em ação que une ressocialização e empatia

27 junho 2025 - 10h00Iury de Oliveira
Internos costuram e entregam mais de mil peças ao Hospital São Julião em ação que une ressocialização e solidariedade
Internos costuram e entregam mais de mil peças ao Hospital São Julião em ação que une ressocialização e solidariedade - (Foto: Divulgação)

Mais de mil peças de inverno confeccionadas dentro da Penitenciária Estadual Masculina de Regime Fechado da Gameleira II, em Campo Grande (MS), ganharam um novo destino nesta semana: aquecer os pacientes do Hospital São Julião. Ao todo, 1.019 itens — entre camisetas, calças, casacos, bermudas, blusas, almofadas e mini-travesseiros — foram produzidos por reeducandos da unidade prisional como parte de um programa que une capacitação profissional, remição de pena e compromisso social.

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A entrega das peças simboliza muito mais do que um ato de doação. Ela representa a transformação de vidas privadas de liberdade em agentes ativos de solidariedade. A iniciativa faz parte de uma ação coordenada pela Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) em parceria com a Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), por meio do programa Malharia Social, que tem fornecido máquinas de costura e suporte técnico para oficinas de costura em presídios do estado.

Durante a cerimônia de entrega das peças, a diretora de Assistência Penitenciária da Agepen, Maria de Lourdes Delgado Alves, destacou o valor humano da ação. “Essa ação demonstra como o trabalho prisional pode gerar transformações reais na vida de quem está privado de liberdade — e também na de quem está fora dos muros, mas enfrenta outras batalhas, como a luta contra doenças”, afirmou.

O Hospital São Julião é referência no tratamento de doenças como hanseníase e tuberculose e, segundo a coordenadora de Relações Institucionais da entidade, Cátia Almeida, a doação impacta diretamente os pacientes. “Esse trabalho de vocês tem um valor imenso. É empatia em forma de tecido. Vocês estão ajudando alguém a ajudar alguém. E isso mobiliza toda a sociedade”, agradeceu, visivelmente emocionada.

A confecção das peças durou dois meses e foi realizada por quatro internos da penitenciária. Para eles, o ofício de costureiro surgiu dentro do presídio, onde passaram a ver o tempo de reclusão também como uma oportunidade de reconstrução pessoal. Um dos reeducandos é P. P. L., de 41 anos, que coordena a oficina e já acumula dez anos de experiência em costura, todos adquiridos durante o cumprimento da pena.

“Já me formei em Gestão Imobiliária e agora estou concluindo Administração. Tudo dentro do sistema”, contou ele, com orgulho. Mais que profissionalização, para ele a costura é uma ferramenta de cidadania. “É gratificante saber que algo feito por nós pode levar dignidade a quem precisa”, disse.

J. S., de 59 anos, iniciou na oficina há apenas três meses e relembra as influências familiares. “Minha mãe era costureira, talvez tenha herdado algo dela. Aqui, estou aprendendo tudo. E faço com gosto, porque é uma obrigação também moral”, relatou.

A Senappen, por meio do programa Malharia Social, tem um papel crucial na viabilização dessas atividades. De acordo com o policial penal federal Carlos André dos Santos Pereira, que representou a Coordenação de Educação, Cultura e Esporte da secretaria, a participação dos internos é seletiva. “A Malharia Social seleciona quem quer a mudança. Nem todos conseguem estar aqui, então quem está, merece. Vocês são parte da sociedade e têm o direito de recomeçar. O trabalho de vocês é visto e reconhecido como essencial”, afirmou.

O projeto demonstra que o sistema prisional pode e deve ser um espaço de reconstrução. Além de contribuírem com a sociedade, os internos também obtêm benefícios legais, como a remição da pena pelo trabalho. A penitenciária já havia realizado uma entrega anterior ao Hospital São Julião no início do ano, com mais de 600 peças doadas — mostrando que a parceria é contínua e tem rendido frutos significativos.

A chefe da Divisão do Trabalho da Agepen, Elaine Alencar, reforça que essas iniciativas têm se tornado um pilar dentro da política de ressocialização no Mato Grosso do Sul. “O trabalho oferece ocupação produtiva, dá significado aos dias dentro da unidade e, acima de tudo, forma cidadãos”, pontuou.

A entrega oficial das peças contou ainda com a presença de representantes de diversas instituições envolvidas. Estiveram no ato o defensor público Maurício Augusto Barbosa, coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública de MS; Rita de Cássia Argolo Fonseca, chefe da Divisão de Assistência Educacional da Agepen; Fabiana Farias, coordenadora do setor de Conservadoria do Hospital São Julião; Evandro Mota, diretor da penitenciária da Gameleira II; e Sidney Alex Silva dos Santos, policial penal federal.

Para todos os presentes, a solenidade foi mais do que simbólica — foi a reafirmação de que a sociedade pode e deve acreditar em caminhos de reintegração social por meio do trabalho, da educação e da empatia.

“O que esses internos estão fazendo é um trabalho que simboliza dignidade. É mais do que roupa; é um recado para a sociedade de que eles também podem ser parte da solução”, finalizou Maria de Lourdes Delgado Alves.

As ações conjuntas entre instituições públicas, sistema prisional e organizações da sociedade civil têm permitido que projetos como o Malharia Social ganhem cada vez mais amplitude. Em tempos em que a ressocialização é muitas vezes vista com ceticismo, iniciativas como essa mostram que, com apoio e investimento, é possível mudar trajetórias e aquecer não só corpos, mas também corações.

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