
O dia ainda engatava às 7h45 da manhã de terça (19), quando a promotora de Justiça Fabrícia Barbosa de Oliveira sentou diante do microfone para falar ao vivo a todo o Mato Grosso do Sul. A entrevista foi concedida ao programa jornalístico Giro Estadual de Notícias com transmissão para dezenas de rádios e redes sociais do estado, e era o tipo de conversa que começa institucional, mas logo deságua em temas urgentes — e sensíveis.

O foco era o acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Mas o pano de fundo envolvia algo maior: o limite entre proteção e desamparo, entre o cuidado e a negligência.
No centro da discussão, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul, que articula um plano emergencial com a rede de proteção social para reforçar o atendimento a menores acolhidos, especialmente os que vivem com deficiência. Em reunião realizada dias antes, o MP firmou compromissos com secretarias de saúde, educação e assistência social para criar novas rotinas nas instituições de acolhimento. Entre elas, visitas mensais das equipes de saúde, atendimento prioritário para consultas e internações, atividades no contraturno escolar e o que chamaram de “projeto terapêutico singular” — uma espécie de plano personalizado para cada criança acolhida.
A promotora explicou que o Ministério Público tem preferido evitar a via judicial. “Nossa atuação se baseia no diálogo e na orientação. Nós visitamos as unidades, identificamos os problemas e discutimos com as equipes o que pode ser feito. A justiça não é a primeira opção, é a última”, afirmou.
A conversa seguiu para os gargalos. Um deles: a rotatividade de educadores sociais nas instituições. “Isso dificulta a capacitação. E sem capacitação contínua, a qualidade do cuidado cai”, disse. Outro entrave, segundo ela, é o acompanhamento de crianças migrantes ou em trânsito constante, o que prejudica o vínculo com os serviços públicos.

Quando o assunto mudou para os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, a promotora garantiu que o MP mantém inspeções frequentes nas unidades e envia relatórios ao Conselho Nacional do Ministério Público. A ideia é atuar, segundo ela, de forma pedagógica, mesmo nos casos mais graves. “O adolescente que está internado cometeu um ato de violência grave ou já descumpriu outras medidas. Mas isso não nos exime do dever de olhar para ele com responsabilidade.”
Nos minutos finais, a promotora comentou o caso que sacudiu o país: a prisão do influenciador Hytalo Santos e a revelação de que crianças, muitas vezes incentivadas pelas próprias famílias, eram exploradas para gerar conteúdo nas redes sociais.
“O vídeo desse caso trouxe à tona um problema que não é novo, mas é frequentemente varrido para debaixo do tapete”, disse. “Tem criança sendo usada, tendo a infância roubada, e os pais acham que ela está segura porque está em casa, com um celular.”
A promotora fez um apelo direto aos pais: coloquem filtros, monitorem os aparelhos, conversem com seus filhos. “A internet não é neutra. Está cheia de riscos, inclusive de abuso.”
No encerramento da entrevista, ela deixou claro que o compromisso do MP é garantir proteção integral. E que a sociedade tem o dever de se envolver. “Essas crianças estão sob a responsabilidade do Estado. Mas não são invisíveis. Elas precisam ser vistas, cuidadas, respeitadas.”
