
Em grupos de mensagens e redes sociais, professores do Rio de Janeiro, tanto da capital quanto de outras cidades do estado, têm trocado informações sobre escolas particulares que não cumprem obrigações trabalhistas.
Além de divulgar vagas, eles compartilham listas com colégios que atrasam salários, não assinam carteira ou praticam assédio moral.

A Agência Brasil teve acesso a uma dessas listas, que reúne mais de 100 escolas denunciadas por irregularidades, inclusive em bairros da zona sul. Em algumas mensagens, docentes alertam colegas: “Paga atrasado, te obriga a assinar como se tivesse recebido certo e a dona pratica assédio moral” ou “Fujam, não pagam, e as donas fogem quando o professor vai cobrar”.
Uma versão mais recente da lista, que circula desde 2024, ultrapassa 150 escolas, muitas delas já fechadas. A maioria das que ainda funcionam está na zona norte do Rio.
Relatos e impacto no ensino
O professor João*, que pediu anonimato, contou ter trabalhado em duas escolas que atrasaram pagamentos e não recolheram encargos.
“A gente trabalhou de graça”, afirmou sobre a primeira instituição, que acabou encerrando as atividades.
Na segunda, situada na zona sul, os salários também atrasavam. Enquanto a mensalidade custava cerca de R$ 2,4 mil por aluno, o professor recebia R$ 2,5 mil por mês. “Em ambas as escolas, eu tive que pagar para trabalhar”, relatou.
Segundo ele, a falta de pagamento causa alta rotatividade de docentes, o que afeta o aprendizado. “Os alunos acabam tendo vários professores no mesmo ano”, disse.
O Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio) afirma que o problema é recorrente. Atualmente, move 36 processos coletivos e cerca de 3 mil individuais contra escolas e faculdades particulares.
Para o diretor do sindicato, Afonso Celso Teixeira, a falta de valorização da categoria leva ao adoecimento mental.
“Quando se trata a educação como mercadoria, o professor e o aluno perdem a dimensão humana do processo”, afirma.
Levantamento do Grupo Rabbit, de 2022, mostrou que os professores da rede particular ganham, em média, menos que o piso nacional do magistério, então fixado em R$ 3.845.
Crise financeira e obrigações legais
Segundo o presidente da Fisepe-RJ, Lucas Machado, cerca de 70% das escolas particulares do estado têm menos de 300 alunos, o que aumenta as dificuldades financeiras.
Ainda assim, ele destaca que isso não justifica o atraso de salários.
“O professor é peça central da escola. Se há dívida com ele, é sinal de endividamento grave”, afirma.
O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) lembra que o pagamento deve ocorrer até o quinto dia útil do mês.
“O atraso já configura irregularidade e pode gerar multa e pagamento em dobro”, explica o promotor Cassio Luis Casagrande.
O que pode ser feito
O Sinpro-Rio orienta que professores denunciem o problema ao sindicato, que tenta negociar com a escola e, se necessário, aciona a Justiça ou o MPT.
“Quando há acordo, ele é homologado judicialmente e prevê multa por descumprimento”, diz Teixeira.
O MPT, por sua vez, atua em casos coletivos, como demissões em massa ou falta generalizada de pagamento. As denúncias podem ser feitas pelo site do órgão.
*O nome do professor foi alterado para preservar sua identidade.
