O problema era o de sempre: pneus velhos descartados de forma irregular, acumulando água, atraindo mosquitos e degradando a paisagem urbana de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Mas, para Mikaela Sonaira e Claudiele Urquieta, alunas do curso Técnico em Logística do Senac, aquele cenário não era apenas um incômodo ambiental – era também uma oportunidade.
A solução veio com a lógica da logística reversa, conceito que aprenderam nas aulas. Em vez de lixo, viram matéria-prima. Em vez de descarte, reaproveitamento. "Começamos a pesquisar e descobrimos que poderíamos transformar pneus em caminhas para pets", conta Mikaela. Assim, um material que poderia levar até 600 anos para se decompor virou conforto para cães resgatados.
O projeto coincidiu com uma data simbólica: em 13 de fevereiro de 2023, a logística reversa foi oficialmente regulamentada no Brasil pelo Decreto 11.413. Embora a legislação já previsse diretrizes para destinação de resíduos sólidos, a norma consolidou as responsabilidades de fabricantes, distribuidores e consumidores na cadeia de reaproveitamento. "Foi interessante perceber que estávamos aplicando algo que, naquele momento, ganhava força legal no país", lembra Claudiele.
As alunas Mikaela Sonaira e Claudiele Urquieta, do Senac Corumbá, responsáveis pelo projeto de reciclagem de pneus para caminhas de petsDa sucata à feira de adoção - A ideia surgiu durante uma visita técnica a um ponto de descarte de pneus. O que viram ali não era novidade – a cada ano, o Brasil descarta cerca de 450 mil toneladas de pneus –, mas a dimensão do problema na cidade fez com que a iniciativa tomasse forma. Com o apoio da comunidade, começaram a recolher os materiais. "Recebemos doações, buscamos pneus em borracharias e contamos com a ajuda de familiares. Enquanto uma limpava, a outra já preparava a estrutura da cama, com tecidos, espuma e pintura", explica Mikaela.
A parceria com o Grupo de Apoio e Proteção aos Animais (GAPA) deu ao projeto um destino concreto. As caminhas foram doadas durante uma feira de adoção. A cada cão que encontrava um lar, uma cama reciclada acompanhava a nova jornada. Um dos momentos marcantes foi a adoção da cachorrinha Chaleira, que chegou tímida, mas saiu do evento com uma nova família e um novo cantinho para dormir.
"Mais do que doar caminhas, queremos conscientizar sobre o descarte correto dos pneus", reforça Claudiele. Em Corumbá, o problema vai além do impacto ambiental. Pneus acumulam água e favorecem a proliferação do Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil registrou mais de 1,6 milhão de casos de dengue em 2023, um aumento de 16% em relação ao ano anterior.
Voluntários auxiliam no processo de adoção de animais resgatados, proporcionando a eles um lar e melhores condições de vidaSustentabilidade na prática - O professor Pedro Henrique Fernandes, responsável pela disciplina de Logística Sustentável no Senac, acompanhou o projeto desde o início e vê nele um exemplo prático do que se discute em sala de aula. "Os alunos aprendem a identificar impactos ambientais e a buscar soluções. Pequenas iniciativas podem gerar grandes mudanças", explica.
A logística reversa, base do projeto, já é aplicada em diversos setores, como o de eletrônicos e embalagens plásticas. No caso dos pneus, a legislação brasileira determina que fabricantes e importadores recolham e destinem corretamente os produtos ao fim da vida útil. Ainda assim, o problema persiste: estima-se que apenas 30% dos pneus descartados no país sejam reciclados.
As alunas não pretendem parar. Elas continuam participando de feiras de adoção e incentivando outras ações sustentáveis na cidade. "A gente começou com uma ideia pequena, mas já viu o impacto que isso pode ter", diz Mikaela.
Em um país onde milhões de pneus são descartados sem destino adequado e onde tantos animais esperam por um lar, uma simples transformação – de borracha velha em cama macia – pode significar muito.
