
Uma nova onda de debate tomou conta das discussões sobre segurança pública no Brasil após a operação policial que atingiu o Comando Vermelho (CV) e deixou mais de 100 mortos no Rio de Janeiro. A questão em pauta: seriam o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC) grupos terroristas ou organizações criminosas tradicionais?
Motivos da controvérsia - Atualmente, o CV e o PCC são classificados legalmente no Brasil como organizações criminosas — conforme a Lei 12.850/2013 — ou seja, entidades com estrutura hierárquica voltada à prática de crimes. A legislação permite medidas como interceptações telefônicas, colaborações premiadas e acordos de cooperação internacional.
Por outro lado, para que fossem enquadrados como terroristas, seria necessário alterar a Lei 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo) — o que está em discussão através do Projeto de Lei 1283/2025, que visa ampliar o conceito de terrorismo para incluir facções criminosas e milícias.
Posição do governo federal - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem se manifestado contra o enquadramento das facções como terroristas. Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, “grupos terroristas são aqueles que causam perturbação social ou política, têm inclinação ideológica etc., o que não acontece com as organizações criminosas”. O governo avalia que não há motivação ideológica nessas facções — a motivação principal seria econômica, voltada ao lucro com tráfico, armas e lavagem de dinheiro.
Posição de governos estaduais e da oposição - Em contraste, o governador de SãoPaulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), têm defendido que o CV e o PCC sejam tratados como “facções terroristas”. Zema chegou a utilizar esse termo em redes sociais. Tarcísio afirmou que sua equipe “vai mergulhar” na discussão e pretende mobilizar aliados no Congresso para a aprovação da nova lei — “vamos buscar um grande consenso”, disse em entrevista à CNN.
O que muda com o Projeto de Lei1283/2025 - O PL1283/2025, de autoria do deputado Danilo Forte (UniãoCE), propõe alterar a Lei13.260/2016 para incluir facções criminosas e milícias privadas entre os sujeitos do crime de terrorismo. O texto sugere que atos como “impor domínio ou controle de área territorial” e “ataques a infraestruturas críticas ou serviços de utilidade pública” sejam considerados terrorismo. Entre os pontos levantados estão a possibilidade de penas mais severas, aplicação de instrumentos de investigação mais agressivos e maior cooperação internacional.
Argumentos contrários à mudança - Especialistas em segurança pública alertam para riscos ao estender o conceito de terrorismo a facções. Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considera a proposição “uma grande bobagem” e afirma: “não estamos vendo terrorismo. O que o Comando Vermelho e o PCC fazem é por dinheiro.” O promotor Márcio Christino também salienta que o terrorismo clássico — como no ataque do Hamas contra Israel — tem motivação política ou ideológica, o que difere da atuação dos grupos nacionais, mais voltada ao tráfico.
Qual a diferença entre organização criminosa e terrorismo? - A distinção chave está na motivação. Grupos terroristas atuam com objetivos políticos, ideológicos ou religiosos, buscando provocar temor social para alcançar essas metas. Já as facções como PCC e CV têm por objetivo principal o lucro, a manutenção de rotas ilegais e o controle de território.
Na legislação brasileira:
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A Lei12.850/2013 define organização criminosa.
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A Lei13.260/2016 define terrorismo como prática de atos violentos com motivação de xenofobia, ódio, ideologia política etc.
Por que essa classificação importa? - Classificar uma facção como terrorista poderia facilitar bloqueios de recursos financeiros, um espectro mais amplo de cooperação internacional, bem como aplicação de penas mais severas e mecanismos de investigação diferenciados. Entretanto, há críticas de que essa lógica pode ampliar demais o conceito de terrorismo, abrindo espaço para abusos, perseguições políticas ou intervenções externas — especialmente considerando a relação com solicitações feitas pelos EUA ao Brasil para classificar o PCC e o CV.
Não há consenso quanto à classificação do PCC e do CV como terroristas. O governo federal rejeita essa possibilidade por entender que falta motivação ideológica. Já estados e setores da oposição defendem a mudança na legislação para fortalecer o combate. A discussão legal ainda está sendo travada no Congresso — e seus desdobramentos podem alterar significativamente a maneira como o Brasil enfrenta o crime organizado.
