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Na manhã do dia 25 de dezembro, sob o céu de inverno de Roma, a Praça de São Pedro parecia congelada em uma espécie de silêncio sagrado. Diante de milhares de fiéis e milhões de telespectadores espalhados pelo mundo, o papa Francisco assumiu seu lugar no balcão central da Basílica Vaticana. Seus olhos pareciam carregar o peso do ano que se encerrava, marcado por guerras persistentes, economias em colapso e o cinismo diplomático que acompanha as crises mundiais.
O discurso natalino, transmitido em várias línguas, misturou espiritualidade e pragmatismo político. O papa falou sobre perdão, mas não apenas o perdão que salva almas, aquele que ressoa nos confessionários. Ele pediu um perdão mais tangível, quase administrativo: o perdão das dívidas dos países pobres. Uma anulação que, para Francisco, seria um passo real e concreto para uma economia global menos desigual e mais humana.
O cálculo, no entanto, é indigesto. A simples menção ao perdão da dívida faz com que planilhas estalem em reuniões de ministros da economia ao redor do globo. Quem pagará essa conta? De onde virá o equilíbrio? Mas o papa, alheio às vírgulas e colunas dos balanços financeiros, insistiu: “Que o novo ano seja uma ocasião para perdoar as dívidas, sobretudo as que oneram os países mais pobres”.
O discurso se moveu então para as trincheiras. Francisco voltou os olhos — e as palavras — para o leste europeu, onde a guerra na Ucrânia persiste em transformar paisagens bucólicas em crateras de artilharia. Pediu coragem aos líderes para “abrir as portas da negociação” e deixar que o som das armas cedesse lugar ao barulho de acordos. Mais ao sul, na Faixa de Gaza, o pontífice mencionou a crise humanitária que, mesmo em meio às tragédias do ano, conseguiu chocar o mundo. Crianças metralhadas, escolas reduzidas a escombros, hospitais colapsados.
Não é a primeira vez que Francisco fala sobre Gaza. Dias antes, ele já havia chamado os ataques israelenses de “cruéis”. A resposta do governo de Israel veio rápida e pontiaguda, acusando o papa de ter “duplas morais” e ignorar o contexto da luta contra o terrorismo jihadista. A diplomacia do Vaticano, sempre cuidadosa, agora se equilibra sobre fios cada vez mais frágeis.
O discurso também atravessou o Atlântico. América Latina, uma velha conhecida do papa argentino, foi citada com a mesma melancolia dos anos anteriores. O Haiti, ainda mergulhado em uma crise humanitária quase esquecida pelo resto do mundo; Venezuela, Colômbia e Nicarágua, onde as divisões políticas continuam a devorar qualquer esperança de estabilidade social.
Francisco falou, pediu, insistiu — como tem feito há anos. Suas palavras são a combinação rara de compaixão pastoral e pragmatismo político. Mas o eco de seus apelos se dissipa na mesma velocidade com que são pronunciados. No salão oval de alguma grande potência, planilhas continuarão sendo analisadas; nas salas de guerra, mapas seguirão sendo traçados; e nas zonas de conflito, o som das bombas provavelmente abafará, mais uma vez, o sussurro da paz.
O Natal no Vaticano se encerrou com Francisco retornando ao interior da basílica, onde vitrais e afrescos milenares permanecem imutáveis enquanto o mundo gira em desordem do lado de fora. Seu discurso não foi uma solução — talvez nem tenha sido uma proposta. Foi, no entanto, um lembrete incômodo de que, às vezes, o impossível precisa ser dito em voz alta para que, um dia, possa ser tentado.

