
Cinco anos após a entrada em vigor do Marco Legal do Saneamento Básico, municípios de todo o Brasil ainda enfrentam dificuldades estruturais e técnicas para cumprir as metas de universalização do acesso à água e ao esgotamento sanitário até 2033.

Segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto Trata Brasil, 16,9% da população ainda não tem acesso à água potável, enquanto 44,8% vivem sem coleta de esgoto — cenário que evidencia os desafios para transformar a realidade sanitária do país em menos de uma década.
O estudo aponta ainda que será necessário dobrar os investimentos atuais no setor para alcançar os objetivos do novo marco. Para os municípios, que são os principais responsáveis pelos serviços, o problema não é apenas financeiro: há fragilidade jurídica, baixa capacidade de planejamento e carência de apoio técnico, além de pouca autonomia nas decisões de regionalização dos serviços.
Municípios cobram apoio de estados e União - Para o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o avanço no setor depende de uma articulação mais sólida entre as três esferas de governo.
“É imprescindível que a União e os estados garantam apoio técnico-financeiro consistente, planejamento adequado dos blocos regionais e contratos que considerem de fato as realidades municipais, sob pena de se perpetuar desigualdades históricas no acesso ao saneamento”, defende Ziulkoski.
Segundo ele, 67% dos municípios já estão inseridos em arranjos regionais, mas muitos não participaram efetivamente das decisões. “Auxiliar os municípios significa não apenas oferecer recursos, mas garantir condições estruturais para que possam planejar, decidir e fiscalizar, assegurando que a regionalização se reverta em avanços reais”, acrescenta.
Regionalização avança no papel, mas emperra na prática - Uma das premissas do Marco Legal é a regionalização da prestação dos serviços. A ideia é que municípios — especialmente os pequenos, que somam 44,8% das cidades brasileiras — se agrupem em blocos para ganhar escala, reduzir custos e viabilizar investimentos.
No entanto, de acordo com a CNM, esse modelo não tem se traduzido em aumento da cobertura. “Em muitos casos, a regionalização foi instituída de forma unilateral pelos estados, sem estudos consistentes e sem a participação efetiva dos municípios”, critica Ziulkoski. “Isso gerou arranjos frágeis, voltados à viabilização de concessões e privatizações, e não ao atendimento integral da população.”
O presidente da CNM também alerta que a regionalização tem se limitado à água e esgoto, ignorando outras frentes importantes do saneamento básico, como resíduos sólidos e drenagem urbana, que continuam como passivos nos municípios.
Governo federal reconhece necessidade de acelerar avanços - O Ministério das Cidades, responsável por coordenar a política nacional de saneamento, reconhece que ainda há muitos desafios na execução do Marco Legal. “A universalização exige esforços coordenados, contínuos e abrangentes”, informou a pasta à Agência Brasil.
Entre as ações em curso estão:
- Investimentos em infraestrutura via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC);
- Capacitação de técnicos e gestores municipais;
- Criação de grupos de trabalho no Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb), voltados à regionalização de resíduos sólidos, ao reuso da água, ao armazenamento de água da chuva e à dessalinização.
O ministério defende também a modernização da gestão com uso de tecnologias, digitalização de processos e inovação. No entanto, reconhece que nem todas as empresas estão preparadas para essa transição, o que reforça a importância de incentivos e apoio técnico.
Estados ainda não estruturaram regionalização - Dos 26 estados passíveis de regionalização — o Distrito Federal é isento —, apenas Minas Gerais e parte do Rio de Janeiro possuem estruturação parcial. Amapá, Mato Grosso do Sul e uma região do Rio de Janeiro realizaram licitações que contemplam blocos regionalizados.
Segundo o Instituto Trata Brasil: “Ainda que a maioria dos estados já tenham leis aprovadas, e que contemplem os seus municípios dentro da prestação regionalizada, ainda está pendente a operacionalização desses blocos, o que representa desafios significativos.”
Entre os entraves, estão a coexistência de diferentes prestadores de serviço e a necessidade de alinhar os interesses de múltiplos municípios dentro de um mesmo bloco.
Investimentos ainda estão aquém do necessário - Para cumprir as metas até 2033 — 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto — o país precisa duplicar os investimentos no setor.
Atualmente, os investimentos giram em torno de R$ 20 bilhões por ano, mas o necessário seria mais de R$ 45 bilhões anuais, segundo estimativas de especialistas do setor.
A preocupação é que, sem planejamento realista e sem apoio técnico adequado aos municípios, o Marco Legal pode não cumprir sua promessa de universalização.
