
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) encerrou 2025 com cerca de 30 mil denúncias apresentadas à Justiça, operações de grande impacto contra o crime organizado e a corrupção, além de ações em áreas sensíveis como saúde, meio ambiente e proteção às mulheres.
Os resultados foram apresentados nesta sexta-feira (19) em um encontro com jornalistas, em Campo Grande. Logo no início, o procurador-geral de Justiça, Romão Ávila Milhan Junior, fez questão de ressaltar a importância da imprensa para aproximar a instituição da sociedade.
“Os senhores são porta-vozes do trabalho realizado pelo Ministério Público diariamente”, afirmou. “Nós temos um respeito e uma consideração muito grande pela imprensa livre, pela imprensa que demonstra à sociedade aquilo que é feito.”
Segundo ele, a relação com os veículos de comunicação é parte da missão constitucional do MPMS.“Temos uma evolução constante da nossa sociedade em razão da imprensa livre que nós temos em nosso país”, disse. “Graças a isso, a imprensa consegue levar informação à população e, muitas vezes, trazer ao Ministério Público fatos que não chegariam pelos canais comuns.”
Balanço do ano e uso de tecnologia - De acordo com dados da instituição, em 2025 o MPMS apresentou aproximadamente 30 mil denúncias à Justiça, além de diversas ações civis públicas em diferentes áreas. A tecnologia teve papel central nessa atuação.
A instituição colocou à disposição de promotores e equipes mais de 400 mil dados e registros para análise, cruzamento de informações e apoio às investigações. Esse volume de informação fortaleceu o trabalho em frentes como combate à corrupção, crime organizado, meio ambiente e direitos humanos.
Romão lembrou que o modelo brasileiro de Ministério Público vai além da função criminal tradicional. “O Ministério Público brasileiro é único no mundo”, afirmou. “Em muitos países ele atua só na parte criminal. Aqui, além da persecução penal, nós temos a defesa dos direitos fundamentais: saúde, educação, proteção da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa com deficiência, do meio ambiente, do consumidor. Defende tudo.”
Ele relacionou essa estrutura à Constituição de 1988, que ampliou os direitos sociais. “A nossa Constituição é muito ampla. Ela traz um lastro gigantesco de direitos de todos os cidadãos. Ao Ministério Público cabe fiscalizar e fomentar as políticas públicas para que esses direitos saiam do papel.”
Procurador-geral de Justiça, Romão Ávila Milhan Junior, apresenta o balanço de 2025 do MPMS durante coletiva com jornalistas em Campo Grande. (Foto: Rafael Rodrigues)Operações, prisões e combate ao crime organizado - No campo criminal, o MPMS destacou operações que desarticularam esquemas de fraudes e organizações criminosas. Em 2025, foram cumpridos 180 mandados de busca e apreensão em 13 cidades, em ações que apuraram desvios superiores a R$ 66 milhões.
O GAECO realizou 19 operações, que resultaram em 107 prisões e 370 mandados de busca e apreensão. Paralelamente, a instituição reforçou a central de inteligência, focada em crimes cibernéticos, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.
“Nós estamos aumentando a nossa estrutura de combate à criminalidade como um todo”, explicou Romão. “A criminalidade organizada só aumenta, e a fronteira traz um desafio gigantesco.”
Ele citou dados que mostram o peso de Mato Grosso do Sul na rota de drogas e armas. “O tráfico de drogas ou a produção da droga na Colômbia, na Bolívia, no Peru não vai terminar”, avaliou. “Mas o meu sonho é que essa droga saia pelo Pacífico e não pelo Atlântico. Se ela sair por lá, é melhor correrem um dia do que correr aqui no Brasil.”
Entre as ações de impacto social, o programa Transforme destinou mais de 350 celulares apreendidos para uso pedagógico em escolas públicas. Já a Ouvidoria recebeu mais de 5 mil manifestações, mantendo um canal permanente de diálogo com a população.
Meio ambiente, direitos humanos e infância - Na área ambiental, o MPMS utilizou tecnologias avançadas para apoiar programas como o Pantanal em Alerta, que monitorou 71 mil hectares e auxiliou ações de fiscalização e preservação.
Nos direitos humanos, uma decisão judicial obtida pelo Ministério Público determinou a reestruturação de abrigo para pessoas em situação de rua em Campo Grande, com foco em melhoria do atendimento e da dignidade dos usuários.
Na infância, o MPMS realizou inspeções em conselhos tutelares e instituições de acolhimento, avaliando estrutura, atendimento e cumprimento de normas. Na área da igualdade racial e diversidade, a instituição comemorou decisão considerada histórica em caso de racismo praticado na internet.
“O desafio gigantesco é levar esses direitos à população brasileira”, reforçou Romão. “A Constituição é ampla, e ao Ministério Público compete buscar a efetivação desses direitos através das promotorias específicas.”
Saúde em foco: Santa Casa e falta de medicamentos - A crise da saúde pública em Campo Grande foi um dos temas mais questionados pelos jornalistas, especialmente a situação da Santa Casa e a falta de medicamentos nas unidades básicas.
Romão explicou que, a partir de um procedimento instaurado na Promotoria da Saúde, o MPMS ajuizou ação civil pública pedindo um plano de atuação conjunto entre Santa Casa, Estado e Município, com repactuação dos valores diante do déficit mensal do hospital.
“A Santa Casa tem um déficit orçamentário mês a mês, o que faz com que profissionais da saúde, há meses, não recebam, com iminência de paralisação de atividades”, relatou. “O Ministério Público tem cobrado do município e do Estado uma posição.”
O caso foi levado à central de autocomposição Compor, criada em 2024 para mediar conflitos complexos antes de decisões judiciais finais. Ao longo de 2025, o Compor firmou acordos que somaram mais de R$ 15 milhões, em áreas como saúde e meio ambiente.
Na área da saúde, o Naes recomendou a implantação de serviços em 16 municípios que não possuíam atendimento e houve decisão determinando a regularização do estoque de medicamentos em 60 dias. Em outra frente, foi estabelecido prazo de 30 dias para apresentação de plano emergencial para a Santa Casa, sob pena de sequestro mensal de R$ 12 milhões para garantir o atendimento pelo SUS.
Sobre a falta de remédios nas unidades, o procurador-geral foi direto: “É um cenário que nos assusta. Chegou a nós que estava faltando até dipirona”, destacou. “Foi cobrado um cronograma de abastecimento de medicamentos e insumos, e o município se comprometeu a apresentar esse plano em prazo curto.”
O Ministério Público recebeu os jornalistas (Foto: Rafael Rodrigues)Violência contra a mulher e caso Vanessa - A violência contra a mulher foi outro eixo central do balanço. Em 2025, o sistema Alerta Lilás, que monitora reincidências e perfil de agressores, emitiu mais de 19 mil alertas automáticos.
Mesmo assim, Mato Grosso do Sul registrou 39 feminicídios no ano, número considerado alarmante pelo MPMS. O feminicídio da jornalista Vanessa Ricardo, do Ministério Público do Trabalho, em fevereiro, foi tratado como um marco na forma de olhar o problema.
“A morte da Vanessa não foi em vão, pelo menos nesse sentido de estruturação”, avaliou Romão.
Após o crime, o MPMS instaurou procedimento para revisar o funcionamento da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) e, em abril, promotores visitaram as 144 unidades da Polícia Civil do Estado para mapear falhas de estrutura, pessoal e fluxo dos inquéritos.
Na Casa da Mulher Brasileira, em Campo Grande, a média mensal de inquéritos relatados saltou de cerca de 200 para mil, graças a força-tarefa com aumento de escrivães e delegados, presença de promotor dentro da delegacia e adoção do inquérito policial eletrônico, com gravação de depoimentos.
“Se aquelas cinco ocorrências contra o feminicida tivessem caminhado, transformadas em inquéritos e remetidas ao Ministério Público, talvez o desfecho tivesse sido outro”, avaliou o procurador-geral, ao explicar que havia cerca de 5,9 mil ocorrências paradas.
Ele ressaltou que a prevenção passa também pela punição efetiva. “A impunidade gera mais violência. Nós precisamos que a pena seja efetiva e real”, afirmou. “Precisamos deixar aqueles que cometem crimes, especialmente crimes bárbaros, presos.”
Romão citou exemplos de cidades do interior que não registram feminicídio consumado há anos, como Naurilândia, Camapuã e Santa Rita do Pardo, e defendeu que esses “cases positivos” sejam estudados para entender o que funcionou na proteção às mulheres.
“Mais da metade dos casos de feminicídio não tinha ocorrência registrada anteriormente”, lembrou. “Muitas mulheres vivem um ciclo de violência psicológica e nem percebem que são vítimas. Por isso, campanhas e educação são fundamentais.”
Compor, casos emblemáticos e prevenção de tragédias - Perguntado sobre casos como a morte da menina Sofia, os incêndios no Pantanal e a crise da Santa Casa, o procurador-geral destacou o esforço do MPMS em atuar preventivamente, sem se limitar à reação depois de tragédias já consumadas.
“É muito trabalho de prevenção, de campanha e de educação”, disse. “Não vamos conseguir zerar a brutalidade humana ou a corrupção, mas é possível avançarmos muito para que esses fatos sejam menos frequentes e menos graves.”
Ele lembrou acordos costurados pelo Compor, como o caso da Santa Casa de Corumbá, em que, após 14 anos de ação judicial, foi construído acordo para viabilizar um hospital regional, evitando que o processo se arrastasse por mais uma década.
A Procuradora de Justiça Ana Lara Camargo de Castro, Coordenadora do Gaeco (Foto: Rafael Rodrigues)Corrupção, sigilo e transparência - No combate à corrupção, Romão explicou que o GECOC foi criado para dividir com o GAECO o volume crescente de demandas, permitindo foco maior tanto em organizações criminosas quanto em desvios de recursos públicos.
Questionado sobre o limite entre segredo de justiça e direito à informação, ele defendeu equilíbrio. “Em muitos casos, o segredo de justiça existe para proteger a vítima, e não o agressor”, lembrou, citando processos de pedofilia, em que a exposição do nome do autor acaba identificando a criança.
Ao mesmo tempo, reconheceu que o país precisa avançar em transparência, especialmente após condenações. “Nós temos que trabalhar com a transparência necessária, sem pieguismo, e discutir com a sociedade e com nossos representantes formas de dar publicidade maior aos autores de delitos, inclusive de corrupção, sem ferir direitos fundamentais”, afirmou.
Imprensa livre, desinformação e inteligência artificial - O encontro também foi marcado por longas falas sobre imprensa, desinformação e eleições em tempos de inteligência artificial.
Romão reafirmou o papel da imprensa na democracia e na história recente do país. “A imprensa tem um papel fundamental na redemocratização do nosso país”, afirmou, ao recordar o período da ditadura militar. “Muitas vezes, fatos como falta de medicamento chegam ao Ministério Público não por denúncia do usuário, mas pela imprensa.”
Representantes da Rede Mato Grosso do Sul de Comunicação e do Mediacom se colocaram à disposição para veicular gratuitamente campanhas de educação midiática e combate à desinformação, sobretudo em períodos eleitorais.
O procurador-geral citou o núcleo especializado em matéria eleitoral do MPMS, que já atua há pelo menos três eleições e hoje se prepara para enfrentar o uso de conteúdos falsos e manipulados por IA.
“Nosso combate é à desinformação”, resumiu. “É muito difícil correr atrás da mentira, que muitas vezes se espalha mais rápido que a verdade, mas precisamos reforçar os canais oficiais e a educação da população.”
Missão para 2026: foco na vida e na estrutura - Ao final, Romão lembrou que a atual gestão da Procuradoria-Geral de Justiça se aproxima de um ano e oito meses e que o desafio principal é estruturar melhor o Ministério Público em todo o Estado, sem perder o foco na finalidade maior.
“A missão é gigantesca e nós temos muito, muito, muito o que evoluir”, admitiu. “A nossa causa não é institucional ou corporativa. A nossa causa, pela própria Constituição, é a defesa dos direitos mais caros da população, que inicia-se pela vida.”
Ele agradeceu novamente a presença dos jornalistas e reforçou a disposição ao diálogo. “Estaremos sempre abertos e contando com os senhores e senhoras para essa boa propaganda do trabalho feito pelo Ministério Público”, concluiu.

