
Em algum ponto de Amambai, no Mato Grosso do Sul, uma professora ajusta o dial de um rádio antigo em busca de um sinal claro. Nas ondas sonoras que cortam o silêncio da sala de aula, surgem lições sobre matemática básica, histórias narradas com vozes envolventes e pequenos boletins informativos. Este é o retrato de uma realidade que está prestes a ganhar novos capítulos. Na última sexta-feira (27), o Ministério das Comunicações anunciou um edital que autoriza a instalação de rádios educativas em 311 municípios brasileiros, incluindo quatro cidades sul-mato-grossenses.

Batizado com a precisão burocrática de Edital nº 223/2024/MCOM, o documento é mais que um amontoado de artigos e incisos. Ele carrega uma promessa: ampliar o alcance das ondas do rádio como ferramenta de educação e inclusão social. O prazo para que as entidades interessadas se inscrevam termina em 21 de março de 2025. Até lá, instituições públicas, universidades privadas credenciadas pelo Ministério da Educação e fundações de direito privado poderão disputar as concessões.
“As rádios educativas democratizam a comunicação e levam cultura e educação a todos os lugares do país. Precisamos dar agilidade e incentivar que essas emissoras estejam presentes no maior número de localidades possível”, afirmou o ministro das Comunicações, Juscelino Filho.
Entre estatutos, frequências e formulários digitais, há uma questão mais profunda: o que significa, na prática, trazer uma rádio educativa para cidades como Amambai, Batayporã, Ivinhema e Nova Andradina?
As ondas do som educativo
No Mato Grosso do Sul, o rádio ainda é um veículo resiliente. Nas áreas rurais, ele atravessa estradas poeirentas, chega a fazendas isoladas e supera a ausência de sinal de internet. Em Amambai, por exemplo, a nova frequência 104,5 FM pretende ser mais do que uma voz distante no dial; será uma ferramenta de inclusão.
Já em Batayporã, com a frequência definida em 102,1 FM, espera-se que as ondas do rádio cheguem às salas de aula improvisadas e às casas de madeira que pontuam o horizonte. Ivinhema, por sua vez, receberá a frequência 90,9 FM, enquanto Nova Andradina sintonizará na frequência 106,3 FM.
Em um estado marcado por longas distâncias entre centros urbanos e uma população distribuída de forma desigual, o rádio desempenha um papel quase simbólico: é a voz que conecta, o som que educa, a música que preenche silêncios.
Quem pode operar as rádios?
A participação no edital é restrita a entidades com credenciais sólidas. Podem participar:
- Pessoas jurídicas de direito público interno (órgãos e autarquias municipais, estaduais e federais).
- Instituições de ensino superior privadas, devidamente credenciadas pelo Ministério da Educação.
- Fundações privadas, desde que seus estatutos estejam alinhados ao Código Brasileiro de Telecomunicações.
A inscrição deve ser feita obrigatoriamente pela Plataforma de Cidadania Digital, no site:
www.gov.br/pt-br/servicos/participar-de-edital-para-executar-servicos-de-radio-educativa
A documentação exigida inclui desde declarações de regularidade fiscal até detalhes técnicos sobre a operação da frequência.
O desafio de preencher o silêncio
Em teoria, as rádios educativas são mais do que transmissões de música ou notícias locais. Elas têm, por definição, uma missão clara: educar. Mas, na prática, a realidade é mais complexa.
Quem já sintonizou rádios educativas no interior do Brasil sabe que o conteúdo nem sempre é uniforme. Algumas emissoras se destacam com programas de alfabetização, entrevistas com especialistas e conteúdos voltados para estudantes de escolas públicas. Outras, por falta de recursos ou gestão adequada, caem na monotonia de playlists repetitivas e locutores sem preparo.
O sucesso das novas frequências no Mato Grosso do Sul dependerá de como cada entidade selecionada interpretará o papel de uma rádio educativa. Será preciso investir em equipamentos, capacitar profissionais e, acima de tudo, respeitar o compromisso com a educação.
O poder invisível do rádio
O rádio tem uma qualidade quase mística: ele não pede atenção visual, não exige uma conexão estável, não depende de telas. Ele invade cozinhas, acompanha motoristas nas estradas e chega às salas de aula onde o sinal de internet nunca esteve presente.
Em cidades como Ivinhema e Nova Andradina, onde a agroindústria dita o ritmo da economia local, uma rádio educativa pode ser mais do que uma ferramenta pedagógica – pode ser um instrumento de transformação social.
Imagine um programa diário sobre boas práticas agrícolas, narrado por especialistas locais. Ou um boletim cultural que valorize artistas regionais. Ou, ainda, uma série de aulas transmitidas para estudantes do ensino médio, preparando-os para o ENEM.
O que vem a seguir? Depois do encerramento das inscrições em 21 de março de 2025, o Ministério das Comunicações analisará os documentos apresentados e publicará os resultados no Diário Oficial da União. As entidades vencedoras terão prazos definidos para iniciar as transmissões.
A implantação, porém, não será isenta de desafios. Haverá obstáculos técnicos, questões burocráticas e limitações orçamentárias. Mas, se tudo der certo, em algum ponto entre Amambai e Batayporã, alguém girará o botão de um rádio, ouvirá uma voz clara e perceberá que está aprendendo algo novo.
Entre frequências moduladas e ondas invisíveis, o rádio ainda tem espaço para ser mais do que um eco distante no Mato Grosso do Sul. Ele pode – e deve – ser uma ferramenta poderosa de educação, inclusão e transformação.
