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23 de dezembro de 2025 - 19h05
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RACISMO

Juiz vê 'carisma do belzebu' como ofensa e condena comediante por injúria racial

Magistrado de São Bernardo do Campo rejeita argumento de humor na 'Live da Ofensa' e fixa pena de 2 anos em regime aberto para Guilherme Teixeira Lima

23 dezembro 2025 - 17h00Fausto Macedo
Decisão da 3ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo condena o comediante Guilherme Teixeira Lima por injúria racial após ofensas em live nas redes sociais.
Decisão da 3ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo condena o comediante Guilherme Teixeira Lima por injúria racial após ofensas em live nas redes sociais. - (Foto: @guiteixeiraoficial/Instagram)
Terça da Carne

O juiz André Luis Rodrigo do Prado Norcia, da 3ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, condenou o comediante Guilherme Teixeira Lima por injúria racial cometida durante o programa “Live da Ofensa”, exibido nas redes sociais em 11 de outubro de 2024.

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A pena foi fixada em dois anos de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de dez dias-multa. Guilherme poderá recorrer da decisão em liberdade. O jornal que revelou o caso informou que busca contato com a defesa do humorista, que ainda não se manifestou.

Na sentença, assinada no último dia 19, o magistrado deixa claro que não enxergou humor no conteúdo da transmissão. Para ele, não houve piada nem arte, mas ataques diretos às vítimas. “Não se trata de humor, de arte, de piada ou de comédia: apenas inúmeras ofensas diretas, contra duas pessoas determinadas e, por isso, a ação é procedente”, escreveu.

Ofensas pessoais em live nas redes sociais

Segundo a denúncia do Ministério Público de São Paulo, Guilherme usou a “Live da Ofensa” para atacar um casal com quem tinha desavenças ligadas à igreja que frequentavam. Um dos alvos foi chamado de “pilantra e 171”, em referência ao artigo do Código Penal que trata do crime de estelionato.

Ao citar nominalmente o desafeto, o comediante disse que “não dá pra ficar com um cara que é grudento, que é carente, que é nojento, que é 171” e afirmou ainda que ele “casou com uma mulher que tem o carisma de um demônio, o belzebu”.

Em outro trecho, Guilherme faz uma referência racista à vítima mulher, que é negra. Ele diz que “a cama deles é um campo de indecisão: eu transo com um fracassado ... do lado dele é: eu transo com essa macaca preta”.

As falas continuam com ataques pessoais e incentivo à autoagressão. “Ele é o zé-fracasso, o zé-ninguém, o zé-narigudo. Você é um mulherzinha, não cumpre o que tu fala, um merda”, afirmou. Em seguida, prosseguiu: “Você é o cara mais burro que eu vi na vida. Tu é um fracassado de bosta. Morre! Mete uma bala na cabeça ... vai ser bom pra gente ... se mata, isso, se mata, faz isso por nós, faz isso pela sua família”.

Juiz afasta tese de comédia e fala em prejuízo à liberdade artística

Na avaliação do magistrado, Guilherme tentou se escudar na ideia de que tudo não passava de comédia, o que não se sustenta ao assistir à live. “O réu tentou se esconder sob o argumento da arte, da comédia, para justificar as incontáveis ofensas dirigidas às vítimas, prejudicando, inclusive, os artistas sérios que muitas vezes são atacados por censuradores da liberdade de expressão”, escreveu.

O juiz afirma que o conteúdo não segue a lógica de um show de humor. “O argumento de que se tratava de comédia não é verdadeiro. Ao assistir o vídeo não há dúvida de que o réu e as vítimas eram conhecidos e, por desavenças na igreja que frequentavam, o réu passou a ofendê-los na live. Guilherme não faz piadas, não há roteiro, não há o setup e o punch (como os próprios comediantes explicam)”, registrou na decisão.

Para André Norcia, a proteção à liberdade de expressão e à atividade artística não pode ser usada como “escudo” para liberar ofensas racistas e ataques pessoais a pessoas determinadas.

Irmão foi absolvido em decisão anterior

O mesmo juiz já havia analisado a situação de outro participante da “Live da Ofensa”: o comediante Vinícius Teixeira Lima, irmão de Guilherme. Em julho, ele foi absolvido sumariamente.

Naquela decisão, André Norcia destacou que a criminalização de piadas, de forma ampla, pode afrontar o direito à liberdade de expressão e que o direito penal não deve ser usado como instrumento de censura. Ele reconheceu que um humorista pode, sim, cometer injúria racial, mas entendeu que, no caso de Vinícius, não havia dolo específico para a prática do crime.

Pesou ainda o fato de o comediante ser um homem negro. “Restou evidente a falta de dolo específico por parte do réu Vinícius, apto a caracterizar a ofensa racial. Assim, absolvo sumariamente o réu Vinícius Teixeira Lima, o que faço com fundamento no artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal”, escreveu o magistrado na ocasião.

Apesar da absolvição, o juiz registrou que houve uma frase de cunho racial na live, que também aparece agora na condenação de Guilherme. “O réu proferiu uma ofensa específica: ‘Eu transo com essa macaca preta’”, anotou, ao tratar do conteúdo da transmissão.

Condenação atinge só um dos participantes da ‘Live da Ofensa’

Com a nova sentença, a responsabilidade penal pelas ofensas recai diretamente sobre Guilherme Teixeira Lima, que deixa de ser apenas alvo de críticas públicas para ter uma condenação formal por injúria racial. Ele continuará em liberdade enquanto recorre, já que a pena fixada é em regime inicial aberto.

O caso volta a acender o debate sobre os limites entre humor e discurso de ódio nas redes sociais. Para a Justiça paulista, ao menos neste processo, não houve “piada que passou do ponto”, mas sim ofensas racistas e ataques pessoais dirigidos a vítimas identificadas, usando uma live como palco.

A defesa do comediante ainda pode apresentar recursos e tentar reverter ou reduzir a condenação em instâncias superiores. Até o momento, porém, a decisão da 3ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo é de que a “Live da Ofensa” ultrapassou os limites da liberdade de expressão e configurou crime de injúria racial.

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