
A quarta-feira (26) amanheceu com um chamado urgente no Jardim Noroeste, em Campo Grande (MS). Eram 6h16 quando a Polícia Militar foi acionada para verificar uma denúncia de abandono de incapaz. O relato dizia que duas crianças estavam dormindo em um terreno baldio na rua Barbacena, numa área tomada por mato e entulho.
Quando a viatura chegou, encontrou dois irmãos, de 13 e 11 anos, enrolados em um cobertor sobre um colchão improvisado diretamente no chão. A madrugada fria tinha passado inteira ali. “Estavam dormindo”, descreve o relatório policial. Era uma cena silenciosa, frágil, incompatível com o horário e com a idade deles.
Os dois contaram aos policiais que tinham passado a noite anterior na casa do namorado da mãe. Segundo eles, o casal discutiu e o homem pediu que todos fossem embora. Sem ter para onde ir, a mãe levou os filhos até o terreno baldio, colocou o colchão e o cobertor e decidiu que pernoitariam no local.
Na manhã seguinte, de acordo com o relato dos meninos, a mãe os acordou e disse para que seguissem rumo à escola, localizada nas proximidades. Afirmou também que iria até a casa da avó dos meninos. Os irmãos não souberam informar exatamente onde ela estava no momento em que a polícia chegou.
Diante da exposição das crianças e do risco evidente, os policiais decidiram levá-las para a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA).
Infográfico resume dados do abandono registrado no Jardim Noroeste, em Campo Grande, em 26 de novembro de 2025. - (Foto: Ilustração / Jornal A Crítica) Não é a primeira vez - A situação registrada nesta quarta-feira não é um episódio isolado na vida dos dois irmãos. O histórico policial dos meninos, registrado ao longo dos últimos seis anos, mostra que ambos já estiveram envolvidos em diferentes ocorrências relacionadas à vulnerabilidade e abandono.
O menino mais velho, de 13 anos, possui registros anteriores de:
abandono familiar, ocorrido no mesmo dia desta nova ocorrência, horas antes
desaparecimento, registrado em junho de 2024
abandono do convívio familiar, registrado em 2021
abandono de incapaz, registrado em 2019
Já o irmão mais novo, hoje com 11 anos, tem histórico semelhante, incluindo registros de abandono e desaparecimento em diferentes anos.
Linha do tempo mostra que os dois irmãos, de 13 e 11 anos, já estiveram envolvidos em ocorrências de abandono e desaparecimento desde 2019. - (Foto: Ilustração / Jornal A Crítica)Os dados mostram um padrão repetido: episódios de fuga, abandono, falta de supervisão e desaparecimentos sucessivos. Para os órgãos de proteção, isso reforça que a situação vivida pela família é crônica e exige intervenção contínua.
Uma madrugada que expôs um ciclo - A cronologia desta ocorrência se repete em tons já familiares aos órgãos responsáveis. No fim de semana anterior, os irmãos estavam na casa do namorado da mãe. Na noite de terça-feira (25), por volta das 23h, uma discussão fez com que a mãe fosse expulsa do local com os filhos. O destino escolhido foi o terreno baldio, próximo de onde moram.
O local, já conhecido pelos moradores como ponto de descarte irregular e passagem de pessoas em situação de rua, tornou-se improvisadamente o dormitório dos dois meninos, expostos ao frio, à insegurança e às condições insalubres do terreno.
Para a Polícia Militar, a decisão de encaminhar os irmãos imediatamente se deu pelo risco evidente à integridade física e emocional das crianças.
Encaminhamento às autoridades - Ambos foram levados para a DEPCA, onde passaram por triagem e atendimento inicial. O Conselho Tutelar foi acionado para avaliar medidas de acolhimento e definir os próximos passos do acompanhamento familiar. Uma das prioridades é localizar a mãe e entender as condições atuais da família.
Segundo a polícia, até o término do registro não havia confirmação do destino da mãe nem informações sobre sua condição no momento da abordagem.
Um bairro que enfrenta vulnerabilidades históricas - O Jardim Noroeste é uma das regiões de Campo Grande com maior histórico de vulnerabilidade social. A falta de estrutura, a presença de terrenos baldios, a ocupação irregular e o distanciamento dos equipamentos públicos tornam o cotidiano mais difícil para famílias que já lidam com fragilidades econômicas e emocionais.
O terreno onde os irmãos foram encontrados não é isolado: fica em uma rua de grande circulação, cercada por casas simples, pequenos comércios e áreas não ocupadas. Para muitos moradores da região, a cena das crianças dormindo ali não simboliza apenas um episódio pontual, mas sim o reflexo de um problema antigo.
A investigação - A ocorrência foi oficialmente registrada como abandono de incapaz. As autoridades agora buscam entender as circunstâncias que levaram a mãe a tomar a decisão registrada no boletim e analisar, com base no histórico da família, quais medidas serão necessárias para garantir a proteção dos dois irmãos.
A DEPCA e o Conselho Tutelar devem ouvir a mãe, avaliar a situação familiar e definir se os meninos serão encaminhados a abrigo, familiares ou acompanhamento especializado.


