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FAIXA DE GAZA

Fome e guerra levam Gaza ao limite: ONU alerta para catástrofe humanitária sem precedentes

Com mais de 60 mil mortos e crise alimentar no nível de catástrofes como Somália e Sudão, território palestino enfrenta colapso total sob bombardeios israelenses

30 julho 2025 - 06h43Redação, O Estado de S. Paulo
Fome extrema: mãe palestina Samah Matar ao lado de seu filho desnutrido Youssef, que sofre de paralisia cerebral, em uma escola onde eles se abrigam na Cidade de Gaza, em 24 de julho de 2025.
Fome extrema: mãe palestina Samah Matar ao lado de seu filho desnutrido Youssef, que sofre de paralisia cerebral, em uma escola onde eles se abrigam na Cidade de Gaza, em 24 de julho de 2025. - ( Foto: Mahmoud Issa/Reuters)

A Faixa de Gaza atravessou, nesta terça-feira (29), dois dos piores marcos de sua história recente. De um lado, o número de mortos pelos bombardeios israelenses ultrapassou 60 mil, segundo o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas. De outro, a Organização das Nações Unidas (ONU) e especialistas em segurança alimentar alertaram que o território está à beira do nível mais extremo de fome já registrado, a classificação IPC 5, o estágio final antes de uma declaração formal de fome generalizada.

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A crise já deixou mais de 145 mil feridos, o que representa 1 em cada 10 habitantes de Gaza. Segundo o painel internacional IPC (Classificação Integrada de Segurança Alimentar), que reúne mais de 20 organizações humanitárias, o cenário na região se equipara a episódios históricos como os da Somália (2011), Sudão do Sul (2017 e 2020) e Darfur Ocidental, no Sudão (2023) — todos classificados como catástrofes humanitárias globais.

“O pior cenário de fome está em curso na Faixa de Gaza”, alertou o relatório mais recente da entidade.

Em maio, o consórcio internacional estimava que 93% da população de Gaza — cerca de 1,95 milhão de pessoas — já vivia sob insegurança alimentar severa. Desse total, 925 mil estavam em situação de emergência e 244 mil em condição de catástrofe.

Para que um território seja formalmente declarado em situação de fome (IPC 5), três critérios devem ser preenchidos:

  1. Pelo menos 20% da população deve sofrer de escassez extrema de alimentos;

  2. Uma em cada três crianças deve apresentar desnutrição aguda;

  3. Devem ocorrer duas mortes diárias a cada 10 mil pessoas por causas ligadas diretamente à fome.

Segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA), Gaza já atingiu os dois primeiros critérios. O terceiro, relacionado às mortes, está em rápida escalada. Nos últimos sete dias, 79 pessoas morreram por desnutrição, número maior que em todos os 21 meses anteriores de conflito. Para médicos e analistas, o dado subestima a realidade, já que muitas mortes não são oficialmente registradas como causadas pela fome.

“Isso é fome. Podemos identificar pelos sintomas visíveis, como um médico que diagnostica um paciente sem precisar esperar os exames”, comparou Alex de Waal, diretor da World Peace Foundation.

O diretor de emergências do PMA, Ross Smith, afirmou que o colapso em Gaza é a pior crise alimentar global deste século. “É diferente de tudo o que vimos nas últimas décadas. Isso me lembra os desastres da Etiópia e de Biafra”, disse, referindo-se a tragédias humanitárias marcantes do século XX.

A deterioração da situação se intensificou com a restrição ao envio de ajuda humanitária por parte de Israel, que bloqueou o acesso por completo durante seis semanas, entre março e maio deste ano. Mesmo após pressões da comunidade internacional e ordens liminares do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o fluxo de ajuda segue abaixo do necessário.

Organizações de direitos humanos e especialistas acusam o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de usar a fome como arma de guerra, em meio ao impasse geopolítico com o Hamas.

Em resposta, o governo israelense culpou a ONU e as organizações humanitárias por supostas falhas logísticas no transporte da ajuda. Em comunicado oficial divulgado ontem, Netanyahu admitiu que a situação é “difícil”, mas prometeu trabalhar para acelerar o envio de suprimentos. Paralelamente, setores do seu gabinete discutem uma possível anexação territorial da Faixa de Gaza.

Segundo reportagem do jornal Haaretz, a proposta começaria pela região de fronteira com Sderot e Ashkelon, no sul de Israel, com a intenção de estender a ocupação gradualmente até tomar toda a faixa territorial.

O chanceler israelense Gideon Saar rejeitou as críticas da comunidade internacional e afirmou que o país não vai ceder a pressões externas. “Estamos diante de uma campanha distorcida contra Israel, que alimenta o antissemitismo. Não abriremos mão dos nossos interesses em nome da política de outros países”, declarou.

Enquanto a crise se agrava, o Tribunal Internacional de Justiça segue analisando uma denúncia contra Israel por prática de genocídio, apresentada por países que denunciam a escalada de mortes civis, o bloqueio de insumos essenciais e o colapso dos sistemas de saúde e saneamento.

Mesmo sob pressão internacional, Israel mantém operações militares em curso na região, que já dura quase dois anos desde o início da escalada mais recente do conflito com o Hamas. Analistas alertam para o risco de um colapso total na Faixa de Gaza se a situação não for revertida rapidamente.

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