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A Faixa de Gaza atravessou, nesta terça-feira (29), dois dos piores marcos de sua história recente. De um lado, o número de mortos pelos bombardeios israelenses ultrapassou 60 mil, segundo o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas. De outro, a Organização das Nações Unidas (ONU) e especialistas em segurança alimentar alertaram que o território está à beira do nível mais extremo de fome já registrado, a classificação IPC 5, o estágio final antes de uma declaração formal de fome generalizada.

A crise já deixou mais de 145 mil feridos, o que representa 1 em cada 10 habitantes de Gaza. Segundo o painel internacional IPC (Classificação Integrada de Segurança Alimentar), que reúne mais de 20 organizações humanitárias, o cenário na região se equipara a episódios históricos como os da Somália (2011), Sudão do Sul (2017 e 2020) e Darfur Ocidental, no Sudão (2023) — todos classificados como catástrofes humanitárias globais.
“O pior cenário de fome está em curso na Faixa de Gaza”, alertou o relatório mais recente da entidade.
Em maio, o consórcio internacional estimava que 93% da população de Gaza — cerca de 1,95 milhão de pessoas — já vivia sob insegurança alimentar severa. Desse total, 925 mil estavam em situação de emergência e 244 mil em condição de catástrofe.
Para que um território seja formalmente declarado em situação de fome (IPC 5), três critérios devem ser preenchidos:
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Pelo menos 20% da população deve sofrer de escassez extrema de alimentos;
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Uma em cada três crianças deve apresentar desnutrição aguda;
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Devem ocorrer duas mortes diárias a cada 10 mil pessoas por causas ligadas diretamente à fome.
Segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA), Gaza já atingiu os dois primeiros critérios. O terceiro, relacionado às mortes, está em rápida escalada. Nos últimos sete dias, 79 pessoas morreram por desnutrição, número maior que em todos os 21 meses anteriores de conflito. Para médicos e analistas, o dado subestima a realidade, já que muitas mortes não são oficialmente registradas como causadas pela fome.
“Isso é fome. Podemos identificar pelos sintomas visíveis, como um médico que diagnostica um paciente sem precisar esperar os exames”, comparou Alex de Waal, diretor da World Peace Foundation.
O diretor de emergências do PMA, Ross Smith, afirmou que o colapso em Gaza é a pior crise alimentar global deste século. “É diferente de tudo o que vimos nas últimas décadas. Isso me lembra os desastres da Etiópia e de Biafra”, disse, referindo-se a tragédias humanitárias marcantes do século XX.
A deterioração da situação se intensificou com a restrição ao envio de ajuda humanitária por parte de Israel, que bloqueou o acesso por completo durante seis semanas, entre março e maio deste ano. Mesmo após pressões da comunidade internacional e ordens liminares do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), o fluxo de ajuda segue abaixo do necessário.
Organizações de direitos humanos e especialistas acusam o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu de usar a fome como arma de guerra, em meio ao impasse geopolítico com o Hamas.
Em resposta, o governo israelense culpou a ONU e as organizações humanitárias por supostas falhas logísticas no transporte da ajuda. Em comunicado oficial divulgado ontem, Netanyahu admitiu que a situação é “difícil”, mas prometeu trabalhar para acelerar o envio de suprimentos. Paralelamente, setores do seu gabinete discutem uma possível anexação territorial da Faixa de Gaza.
Segundo reportagem do jornal Haaretz, a proposta começaria pela região de fronteira com Sderot e Ashkelon, no sul de Israel, com a intenção de estender a ocupação gradualmente até tomar toda a faixa territorial.
O chanceler israelense Gideon Saar rejeitou as críticas da comunidade internacional e afirmou que o país não vai ceder a pressões externas. “Estamos diante de uma campanha distorcida contra Israel, que alimenta o antissemitismo. Não abriremos mão dos nossos interesses em nome da política de outros países”, declarou.
Enquanto a crise se agrava, o Tribunal Internacional de Justiça segue analisando uma denúncia contra Israel por prática de genocídio, apresentada por países que denunciam a escalada de mortes civis, o bloqueio de insumos essenciais e o colapso dos sistemas de saúde e saneamento.
Mesmo sob pressão internacional, Israel mantém operações militares em curso na região, que já dura quase dois anos desde o início da escalada mais recente do conflito com o Hamas. Analistas alertam para o risco de um colapso total na Faixa de Gaza se a situação não for revertida rapidamente.
