
A bióloga Renata Norbert, do Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), desenvolveu uma metodologia inovadora que poderá substituir o uso de camundongos em testes de controle de qualidade de soros contra veneno de cobras do gênero Bothrops. A pesquisa foi reconhecida internacionalmente com o prêmio da Sociedade Europeia para Alternativa de Testes em Animais e menção honrosa do Centro Nacional para Substituição, Refinamento e Redução de Animais em Pesquisa, do Reino Unido.

O trabalho marca um avanço sem precedentes, ao atingir a fase de pré-validação — etapa inédita no mundo para antivenenos. A substituição do teste tradicional, que envolve grande sofrimento e posterior sacrifício de roedores, por ensaios in vitro com células Vero cultivadas em laboratório, representa uma alternativa mais ética, eficiente e econômica. “Nosso método pode reduzir até 69% dos custos”, afirma Renata.
A nova metodologia utiliza células Vero, fixadas em placas de laboratório, que recebem a mistura de veneno e soro. Se as células permanecerem íntegras, o soro está aprovado. Caso sofram danos, o lote é reprovado. “Conseguimos liberar os resultados em até uma semana, enquanto os testes com camundongos podem levar mais de um mês”, explica a bióloga.
Essa solução já está em uso na Fiocruz para vacinas, mas é a primeira vez que se aplica a soros antiofídicos. Segundo Renata, o objetivo é incluir a técnica na farmacopeia brasileira e disseminá-la entre os laboratórios produtores, por meio de kits padronizados que poderão ser replicados e analisados estatisticamente.
A Fiocruz pretende expandir a aplicação da metodologia para outros países onde serpentes do gênero Bothrops são endêmicas, como a Costa Rica. Renata Norbert acredita que, a partir de março de 2026, o método poderá estar em uso prático, beneficiando diretamente o Sistema Único de Saúde (SUS) e a população exposta a acidentes com jararacas.
“A ideia é sair da pesquisa e aplicar na prática. É um trabalho com intencionalidade social, científica e ética”, diz a pesquisadora.
As serpentes Bothrops — conhecidas como jararacas, urutus e cotiaras, respondem por 90% dos casos de acidentes com cobras no Brasil. Em 2025, o DataSUS já registrou 12 mil incidentes. Apesar da gravidade, o tema é negligenciado pela indústria farmacêutica privada, sendo classificado como doença tropical negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Assim, cabe ao SUS a responsabilidade pela produção e controle dos antivenenos, realizados por instituições públicas como a Fiocruz, o Instituto Vital Brazil, o Instituto Butantan e a Fundação Ezequiel Dias.
Além de acelerar os resultados e reduzir custos, o novo modelo elimina o sofrimento animal, uma das grandes críticas ao teste tradicional, considerado doloroso e cruel. “Estamos falando de um avanço técnico e ético”, resume Renata.
O reconhecimento internacional impulsionou os planos de expansão. Em dezembro deste ano, a pesquisadora se reunirá com produtores e interessados em difundir o modelo. “O impacto positivo é enorme: mais rápido, mais barato, mais ético, e eficaz”, conclui.
