
Em 11 de outubro de 1977, Mato Grosso do Sul foi criado a partir da divisão com o estado vizinho, Mato Grosso. Na ocasião, o então presidente da República, Ernesto Geisel assinou a sanção que criou o novo Estado, marcando não apenas o surgimento de uma nova unidade federativa, mas também uma jornada de identidade e independência.

Na ocasião, o clima da população no sul do Mato Grosso era de euforia com a separação. É o que garante o então vereador de Dourados, que viria a ser um dos deputados que constituiu a primeira Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), Walter Carneiro. “Existia um desejo pela separação, e que no sul do Estado era que gerava riquezas. Disso nasceu essa luta pela divisão”, explicou. “Quando o presidente publicou a lei que criou o Estado foi uma grande festa em Campo Grande”, recorda.
Deputados, entre eles, o ex-parlamentar Walter Carneiro na Assembleia Legislativa de MS - (Foto: Arquivo pessoal)
A ideia de separar a região sul de Mato Grosso e criar um novo Estado ganhou força em 1975, impulsionada pela publicação da tese "Divisão político-administrativa de Mato Grosso" pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Essa tese serviu como base para uma campanha intensa em prol do desmembramento. A decisão final do Governo Federal foi comunicada por Geisel durante uma reunião com o então governador de Mato Grosso, José Garcia Neto, em 4 de maio de 1977. Inicialmente, o novo Estado seria chamado de "Campo Grande", conforme o primeiro projeto de lei. No entanto, quando o Congresso Nacional aprovou a lei e o presidente do Brasil sancionou em 11 de outubro do mesmo ano, o nome foi alterado para "Mato Grosso do Sul", e ficou estabelecido que a Capital seria Campo Grande.
Mas apesar da euforia, as pessoas não se atentaram a alguns detalhes que de certa forma eram desvantajosos ao novo que estava nascendo. Walter Carneiro afirma que houve descuido em relação a alguns pontos da lei.
Solenidade de instalação de Mato Grosso do Sul, em janeiro de 1979 - (Foto: Arquivo)
“A gente não se importou com o que falava a lei. Tanto que Mato Grosso Sul ficou muito pequeno. A divisa nossa hoje com o norte é o Rio Corrente, em Sonora, nós deveríamos ter avançado, pelo menos até o Rio Piquiri que fica perto de Rondonópolis, nós iríamos ganhar mais uns 50 mil quilômetros quadrados se acontecesse isso. Mas nós não nos preocupamos, queríamos mesmo era nos livrar de Cuiabá”, explica.
O processo de emancipação aconteceu por dois principais fatores. O primeiro foi o vasto território de Mato Grosso, que tornava seu governo ineficiente. O segundo envolvia características geográficas e sociais distintas: a região sul possuía campos, uma distribuição fundiária mais equilibrada, agricultura intensiva e densidade populacional mais alta. Enquanto isso, o norte de Mato Grosso era dominado pela Amazônia, caracterizado pelo latifúndio e agricultura extensiva.
O professor de História, Roberto Figueiredo, explica que o País vivia uma ditadura militar em 1977. “Quando o Estado foi criado eu morava em Três Lagoas, então não chegava muita coisa para nós. Lembro que era meu último ano na universidade e estava em um movimento estudantil ligado às questões do Estado, porém, nós do interior não sentimos tanto o impacto, como Campo Grande que se empolgou com a criação de Mato Grosso do Sul. Para nós de Três Lagoas passou quase que despercebido, já na Capital houve euforia”, lembra.
Tudo isso ficou muito marcado na memória de outra personagem que acompanhou todo o processo. A escritora membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ativista cultural, Lenilde Ramos relembra que a criação foi o começo de um processo burocrático.
“Depois que a lei foi assinada, o Estado precisava se viabilizar concretamente. Então começaram a se organizar as comissões de transição e cada grupo organizou uma secretaria. Vieram técnicos de fora, principalmente do Rio Grande do Sul, porque o primeiro governador era gaúcho”, recorda. Na ocasião, Lenilde estava grávida de sete meses e mesmo com o barrigão, não deixou de participar das comemorações.
A escritora membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ativista cultural, Lenilde Ramos relembra que a criação foi o começo de um processo burocrático - (Foto: Abner Veiga)
“Quando surgiu a notícia que a assinatura havia sido confirmada, a cidade toda começou a descer na Afonso Pena para a 14 de Julho. Naquele tempo ainda existia o relógio original e as manifestações políticas e culturais eram todas feitas ali, eu pensei, ‘eu é que não vou ficar em casa’”, conta.
Para ela, foi uma verdadeira surpresa a quantidade de pessoas que foram para as ruas comemorar. “O clima era de conquista. Todos os meus amigos brincavam, quando me viram ali no meio daquele agito”, lembra. A escritora chegou a integrar a equipe de transição da primeira Fundação de Cultura no Mato Grosso do Sul. “Foi o maior presente da minha vida”, afirmou.
Após a lei publicada, começou a organização para a implantação do Estado, que ocorreu no dia 1º de janeiro de 1979, quando o primeiro governador e os deputados tomaram posse. Nesse período houve uma briga para a definição do nome do governador. Na altura não tinha eleição e o nome era indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado. Ernesto Geisel tinha um compromisso com Pedro Pedrossian, para o nomeá-lo ao cargo, porém o senador Antonio Mendes Canale - considerado desafeto político Pedrossian - disse a Geisel que o nome seria vetado no Senado.
O escolhido, então, foi Harry Amorim Costa, (1927 - 1988), um engenheiro e político brasileiro. Antes de assumir a governança, era servidor público do Departamento Nacional de Obras de Saneamento, no governo de Ernesto Geisel.
Geisel sancionando lei que criou MS - (Foto: Arquivo)
Para o historiador Roberto Figueiredo a criação foi um ato político e a sua atenção estava voltada para acabar com a ditadura militar, que ocorreu entre 1964 e 1985.
“A criação do Estado foi conturbada. MS é criado e a ditadura traz um governador de fora, e o elege sem a consulta da população. A classe política não conseguiu conversar entre si e decidir quem seria o governador, então Harry Amorim é o primeiro governador eleito pelos líderes da ditadura do País”, explica.
Naquela ocasião, Geisel enfatizou que a criação do MS representava o "reconhecimento de uma realidade econômica e social". Ele destacou que o novo estado, então a 23ª unidade federativa do Brasil, possuía uma "extraordinária vocação para o desenvolvimento agropecuário e agroindustrial". Esse potencial era atribuído principalmente aos solos férteis da região de Dourados e ao grande potencial agrícola do cerrado.
Carneiro foi um dos deputados a formar a primeira composição da ALEMS, com 18 legisladores. Esses foram os responsáveis por escreverem a primeira constituição estadual e o primeiro regimento interno da Casa de Leis.
“Era muito complicado, não tinha essa facilidade de comunicação dos dias atuais, era tudo por carta ou telegrama. Solicitamos às outras unidades da federação que encaminhassem os próprios regimentos para que pudéssemos nos basear”, relembra. Esse processo durou seis meses, e no dia 13 de junho de 1979, no Teatro Glauce Rocha, aconteceu a promulgação e a Assembleia Constituinte se tornou Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
Posse de Wilson Barbosa Martins, o primeiro governador eleito em MS - (Foto: Arquivo ALEMS)
Foi nesse processo que o ex-parlamentar deu o mais importante passo na criação de uma instituição fundamental no desenvolvimento do Estado, a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
“Eu tive o privilégio de inserir ali um artigo que se tornou o artigo 190, que diz o seguinte: ‘Fica criada a Universidade Estadual de Mato Grosso, com sede em Dourados’. Nós fizemos e foi muito polêmico, pois existia uma comissão constitucional onde você fazia as propostas, encaminhava a ela para decidir, se ia ao plenário pra ser votada ou não. E eu fiz o artigo de próprio punho, peguei um papel em branco, escrevi a mão o artigo. Tinha que pegar um terço de assinaturas, dos 18 deputados eu peguei 12 ou 13 assinaturas, caminhei até a mesa e entreguei ao Londres Machado que era o presidente ele conferiu e aprovou”, detalhou.
Capa do jornal 'O Progresso' destacando a criação de MS - (Foto: Arquivo)
Carneiro entende que Mato Grosso do Sul conseguiu ter o crescimento almejado com a separação. “O Estado prosperou, conseguimos criar mais municípios, passando de 55 para os 79 que temos hoje. Hoje temos todos os municípios ligados à capital por asfalto, tem uma economia forte, nossa agricultura e agropecuária deram um salto espetacular. Nós crescemos muito com o ecoturismo. Vivemos um bom momento”, finaliza.
Capa do jornal Diário da Serra - (Foto: Arquivo)
A população de Mato Grosso do Sul experimentou um rápido crescimento nas décadas de 80, 90 e 00, mas isso não se deve a uma taxa de natalidade elevada no Estado, mas sim à significativa migração de pessoas de outros estados e imigrantes para Mato Grosso do Sul. Dados mais atualizados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo IBGE, mostra que MS teve um aumento de 12,5% na população e chegou a 2.756.700 habitantes.
O crescimento de MS ao longo desses 46 anos é resultado de diversos fatores, sendo o emprego, a cultura, o turismo e o desenvolvimento alguns dos principais motores desse progresso. A diversificação da economia, com setores como agricultura, pecuária, indústria, e tecnologia ganhando destaque, criou oportunidades de emprego e renda para a população local. Além disso, a riqueza cultural e a preservação das tradições do Estado atraem turistas e investidores, impulsionando o setor do turismo e gerando impactos positivos na economia. Ao longo dessas décadas, MS se consolidou como uma força econômica e cultural no cenário nacional, proporcionando qualidade de vida e oportunidades para seus habitantes.
