
O Chile realiza neste domingo (16) uma eleição presidencial marcada pelo retorno do voto obrigatório e por uma forte guinada conservadora. Em meio à crescente preocupação com a segurança pública e a crise migratória, a ultradireita aparece fortalecida nas pesquisas, impulsionando candidaturas como as de José Antonio Kast, Johanes Kaiser e Evelyn Matthei, que devem enfrentar a governista Jeannette Jara em um provável segundo turno.
A criminalidade, percebida por grande parte dos chilenos como ligada à imigração irregular, tornou-se o principal tema da campanha. Segundo pesquisa da Atlas Intel, divulgada em outubro, 53,1% da população apontam a insegurança e o narcotráfico como os maiores problemas do país.
Medo e populismo como estratégia eleitoral
Os números confirmam essa percepção. Um relatório do Ministério Público chileno mostra que a taxa de homicídios subiu de 4,2 para 6 por 100 mil habitantes entre 2016 e 2024 — um aumento de 42,8%. Embora a maioria dos crimes seja cometida por cidadãos chilenos, cerca de 20% têm autoria atribuída a estrangeiros, especialmente venezuelanos e colombianos.
Além disso, crimes como sequestros cresceram 27,8% nos últimos dois anos. O roubo de celulares é outro problema sério: segundo a Polícia de Investigações do Chile, 2 mil aparelhos são roubados diariamente.
Com esse pano de fundo, a retórica de medo ganhou espaço. "Quando discursam, Kast e Kaiser representam a raiva do eleitor que se sente abandonado", afirma Alejandra Bottinelli, doutora em Estudos Latino-Americanos. Ambos candidatos defendem endurecimento das leis e militarização da segurança.
Ultradireita ganha força com desgaste da esquerda
O cenário político também favorece os conservadores. O presidente Gabriel Boric, eleito com uma plataforma progressista, enfrenta hoje uma rejeição de 62%, segundo a pesquisa Cadem. Sua candidata, Jeannette Jara, do Partido Comunista, tenta se desvincular do governo, mas enfrenta resistências tanto por sua sigla quanto pela crise de credibilidade do Executivo.
No último levantamento do Painel Cidadão, Jara lidera com 26% das intenções de voto, seguida por Kast (21%). Kaiser e Matthei aparecem empatados com 14%, e o independente Franco Parisi, com 10%. No entanto, simulações de segundo turno mostram um cenário difícil para a esquerda: Jara seria derrotada por qualquer um dos três principais candidatos da direita.
Kaiser surpreende e pode tirar votos de rivais
Autoproclamado libertário, Johanes Kaiser é visto como uma versão chilena do argentino Javier Milei. Defensor da pena de morte e da ditadura de Pinochet, ele deixou o Partido Republicano após divergências com Kast e fundou o Partido Nacional Libertário em 2024.
Nos últimos dias, Kaiser cresceu nas pesquisas e ameaça roubar votos decisivos de Kast e Matthei. O cientista político Carlos Montecinos avalia que, independentemente do vencedor no primeiro turno, "a direita vai se unir" no segundo.
Mudança de foco nas demandas populares
Para os analistas, a ascensão conservadora no Chile se explica por uma mudança no foco das demandas sociais. Se em 2019 a pauta era igualdade social e direitos, em 2025, os eleitores priorizam segurança, controle migratório e estabilidade econômica. Esse deslocamento estaria ligado à frustração com os dois processos constituintes malsucedidos e à chamada "fadiga social".
"O atual governo não conseguiu criar uma narrativa mobilizadora. A direita, por outro lado, se apropriou de temas como segurança e combate à imigração ilegal, que hoje são prioridade para o eleitorado", resume Montecinos.
Voto obrigatório volta após mais de uma década
Esta é a primeira eleição presidencial com voto obrigatório desde 2012. Cerca de 15 milhões de chilenos estão aptos a votar, e quem não comparecer às urnas pode pagar multa de até 104 mil pesos (R$ 534). A expectativa é de alta participação, o que pode influenciar diretamente os resultados do primeiro turno.
O segundo turno está previsto para o dia 14 de dezembro, caso nenhum candidato alcance maioria absoluta neste domingo.

