
Nesta sexta-feira (3), o conflito em Gaza teve importantes desdobramentos políticos. O Hamas anunciou a aceitação parcial da proposta apresentada pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que visa encerrar a guerra na Faixa de Gaza. Em resposta, Trump comemorou o avanço e orientou Israel a suspender os ataques. Já o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, indicou estar disposto a implementar a primeira etapa do plano.

Embora o gesto do Hamas tenha sido recebido como um possível sinal de trégua, a realidade é mais complexa. O grupo indicou disposição para libertar os reféns restantes e entregar a administração de Gaza a um governo de transição tecnocrático, mas ainda há pontos cruciais sem consenso, como o controle do território e o desarmamento do grupo.
Segundo Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard, o anúncio do Hamas pode abrir caminho para uma pausa temporária nos combates, mas não garante o fim definitivo da guerra. “Há mudanças táticas e humanitárias a curto prazo, mas as demandas políticas centrais, como a retirada de tropas e o reconhecimento do Estado Palestino, continuam pendentes”, explica.
Karina Calandrin, professora do Ibmec e pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USP, também vê a aceitação parcial como um reposicionamento estratégico do Hamas. “Ao sinalizar a possibilidade de ceder poder político, o grupo tenta manter influência indireta, sem se expor a um colapso completo”, avalia.
A proposta apresentada por Trump inclui 20 pontos principais, entre eles a criação de um comitê tecnocrático palestino responsável pela administração temporária da Faixa de Gaza. Esse grupo seria supervisionado por uma entidade internacional liderada pelo próprio Trump, pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e por outras lideranças globais ainda não anunciadas.
O plano, no entanto, esbarra em obstáculos significativos. A exigência do desarmamento do Hamas, por exemplo, é vista como inviável no curto prazo, já que o grupo condiciona essa medida ao fim da ocupação israelense. “A proposta não resolve questões centrais como fronteiras, status de Jerusalém e o direito de retorno dos palestinos. É apenas um primeiro passo”, avalia Brustolin.
O professor também alerta para o risco de resistência interna do próprio Hamas, mesmo que a administração formal seja transferida. “As estruturas militares do grupo podem continuar ativas e reagir se perceberem traição”, destaca.
Entre os pontos mais viáveis da proposta estão o cessar-fogo imediato, a troca de reféns e prisioneiros, a entrada de ajuda humanitária e o início da reconstrução de Gaza. Já os entraves mais profundos envolvem a segurança de longo prazo, a aceitação política do plano dentro de Israel e o reconhecimento formal da Palestina.
Para Calandrin, o avanço da proposta depende de uma adesão mais ampla, principalmente por parte de Israel, que historicamente se recusa a reconhecer qualquer autoridade ligada ao Hamas. “A principal fragilidade do plano é a ausência de garantias sólidas: quem vai garantir a segurança, a reconstrução e a governança no território?”, questiona.
Especialistas também observam que, mais do que uma solução imediata, a proposta pode servir como uma ferramenta política. Para o Hamas, o gesto funciona como uma demonstração de disposição para negociar. Para Trump, é uma forma de projetar liderança internacional em meio à sua campanha de retorno à presidência dos EUA.
