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SÃO PAULO

Densa espuma tóxica volta a cobrir o Rio Tietê em Salto e revela colapso no saneamento

Fenômeno recorrente se intensifica com estiagem e falhas na rede de esgoto; moradores relatam cheiro forte e irritação nos olhos

3 agosto 2025 - 07h15José Maria Tomazela
Já tem sido comum nessa época do ano a espuma tóxica cobrir o Rio Tietê, em Salto; problema tem piorado.
Já tem sido comum nessa época do ano a espuma tóxica cobrir o Rio Tietê, em Salto; problema tem piorado. - (Foto: Taciane Costa/Arquivo Pessoal)

Imagens de drone feitas no último sábado (2) revelaram novamente um cenário preocupante no interior de São Paulo: o Rio Tietê, na altura do município de Salto, amanheceu encoberto por uma espessa camada de espuma tóxica, sinal claro da poluição que há décadas compromete a qualidade da água em um dos rios mais emblemáticos do estado.

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As imagens, captadas entre 10h e meio-dia pelo fotógrafo Daniel Santos, morador da cidade, mostram a extensão do problema que, segundo ele, se repete há pelo menos uma década. “Nunca melhorou, mas agora parece que está pior. Visitantes reclamam muito do cheiro. A gente já está acostumado, mas eles relatam irritação nos olhos e nariz por causa dos gases que saem das espumas”, conta.

A cena chamou atenção também pela densidade da espuma, provocada principalmente pela baixa vazão do rio durante o período seco. Mas o fenômeno está longe de ser apenas sazonal. Segundo especialistas, há responsabilidade direta de falhas no sistema de esgoto da capital paulista e de seus arredores.

Rompimento de rede e lançamento de esgoto agravam situação

Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, explica que a origem do problema está na carga de poluentes despejados principalmente pela Região Metropolitana de São Paulo. Quando essa água contaminada chega às quedas d’água de Salto, a turbulência forma espuma causada por resíduos de produtos biodegradáveis presentes no esgoto doméstico, como sabão, detergente e pasta de dente.

Este ano, no entanto, o problema foi agravado por um rompimento na rede de esgoto da Marginal Tietê. De acordo com a ambientalista, a Sabesp acabou lançando diretamente no rio os efluentes não tratados da região norte da capital. “Isso aumentou muito a poluição em plena estiagem, gerando um cenário que não deveríamos mais presenciar, especialmente diante dos avanços nos índices de coleta de esgoto nos últimos anos.”

No dia 27 de junho, o jornal O Estado de S. Paulo registrou o lançamento de esgoto pela Sabesp nas proximidades da Avenida Engenheiro Caetano Álvares. A empresa informou, na época, que se tratava de uma manobra emergencial para esvaziar a rede e verificar a origem de uma cratera que se abriu no asfalto.

Outro vazamento também foi detectado no último sábado (2), novamente em uma estação elevatória ligada ao Rio Pinheiros, que deságua no Tietê. Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, a prática de despejo de esgoto in natura no rio é proibida desde 1989 pela Constituição paulista. “É inadmissível comprometer todo o investimento feito na despoluição do Tietê ao longo das últimas três décadas com falhas como essas”, afirma Malu Ribeiro.

Fiscalização e promessas do poder público

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) informou que vem monitorando os episódios de formação de espuma e intensificou as ações de fiscalização. De janeiro até agora, foram realizadas 324 coletas de amostras e 114 vistorias em estações de tratamento, indústrias e municípios que ainda não tratam seu esgoto. As autuações somam R$ 3,8 milhões.

Já o governo do estado informou que o programa IntegraTietê prevê investimentos de R$ 20 bilhões em saneamento até 2029, com a meta de conectar mais 2,2 milhões de residências à rede de esgoto. Segundo o Estado, as ações já resultaram na retirada de 3,5 milhões de metros cúbicos de sedimentos do rio e de seus afluentes desde 2023.

Além disso, um grupo de fiscalização integrada percorreu mais de 7 mil quilômetros ao longo do Tietê, aplicando R$ 6,6 milhões em multas contra agentes poluidores.

Moradores sentem os impactos todos os anos

Apesar das promessas e medidas, a sensação entre os moradores de Salto é de descaso. Daniel Santos acompanha o problema há anos e relata que nada mudou, mesmo com toda a visibilidade que o tema ganha quando as espumas se tornam visíveis. “Todo ano é a mesma coisa. Parece que o tempo passa, os governos mudam, mas o rio continua sendo o mesmo depósito de esgoto.”

A cena, repetida como um ritual de abandono, mostra que o Rio Tietê ainda é vítima de negligência, apesar dos bilhões já investidos em sua recuperação. O que antes era um símbolo da industrialização paulista agora se tornou retrato da persistente ausência de infraestrutura e de planejamento ambiental eficaz.

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