
O mercado brasileiro de bebidas destiladas, que movimenta bilhões por ano e sustenta uma vasta cadeia produtiva — da indústria ao bar da esquina — está se reorganizando diante de uma ameaça crescente: a falsificação de bebidas alcoólicas. Casos de intoxicação e mortes relacionadas ao consumo de produtos adulterados, com uso de metanol e ingredientes ilegais, motivaram a criação de um grupo de trabalho inédito no País, liderado pelo governo de São Paulo, que uniu autoridades, entidades setoriais e empresas em ações conjuntas de combate ao mercado ilegal.
Batizada de Bebida Legal, a iniciativa propõe uma guinada na forma como a indústria lida com o problema, incluindo ações educativas, plataformas digitais, fiscalização colaborativa e até uma possível certificação de boas práticas. É a maior articulação já registrada entre marcas, varejistas, associações e poder público para enfrentar a produção clandestina, melhorar a rastreabilidade e aumentar a confiança do consumidor final.
Como funciona o projeto Bebida Legal - Lançado a partir de um protocolo de intenções firmado entre o governo paulista e entidades como a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o projeto Bebida Legal oferece uma plataforma online gratuita com treinamentos para reconhecer sinais de adulteração e orientações sobre como adquirir produtos de origem segura.
Voltado a donos de bares, restaurantes, distribuidores e outros profissionais do setor, o programa oferece certificação para estabelecimentos que completarem os módulos. A base de dados será aberta ao público: o consumidor poderá verificar se o local em que pretende consumir bebidas está capacitado e comprometido com boas práticas.
Empresas multinacionais como Diageo, Pernod Ricard, Bacardi-Martini, Brown-Forman e Beam Suntory — donas de marcas como Johnnie Walker, Absolut, Ballantine’s e Bacardi — participam da mobilização. O envolvimento da indústria é visto como estratégico, não apenas para proteger seus produtos, mas para ampliar a transparência e a segurança em uma cadeia que vai do envase ao consumidor.
"Estamos diante de um problema de saúde pública, de concorrência desleal e de segurança econômica. Este esforço coletivo é fundamental", afirmou Eduardo Cidade, presidente da ABBD.
Combate ao mercado ilegal online
A ABBD também atua diretamente contra a venda online de bebidas falsificadas, pressionando plataformas digitais a removerem anúncios suspeitos e produtos que possam ser usados na falsificação — como tampas, selos, garrafas e lacres. Em resposta, o Ministério da Justiça determinou a suspensão imediata desses itens nas plataformas.
“O ambiente digital precisa ser tão fiscalizado quanto o físico. É inaceitável que ferramentas que vendem legalmente produtos também abriguem criminosos”, completou Cidade.
O grupo de trabalho estuda a criação de um selo voluntário que identifique estabelecimentos e distribuidores que adotam boas práticas de aquisição e comercialização. Embora ainda em análise, a medida busca oferecer uma chancela visual ao consumidor e funcionaria como um estímulo para o setor.
Segundo o governo de São Paulo, o modelo será amplamente debatido com o setor produtivo e os órgãos de controle, de forma a garantir tanto segurança ao consumidor quanto respaldo legal e técnico às empresas envolvidas.
Educação e reciclagem: dois pilares do projeto - A Abrabe desenvolveu uma cartilha especialmente voltada ao consumidor final, destacando os “sete erros das bebidas falsificadas”, ensinando como identificar adulterações visíveis, da tampa ao líquido. É um instrumento de educação e prevenção para o consumo consciente.
A entidade também comanda o projeto Glass is Good, de logística reversa de garrafas, que atua na separação do vidro usado até sua transformação em novas embalagens. A proposta é coibir a reutilização ilegal de garrafas por falsificadores. O programa tem se expandido para bares, restaurantes, baladas, condomínios e eventos.
“Garrafas vazias que desaparecem ou não são recicladas de forma correta podem ser reutilizadas para fraudes. Estamos trabalhando para que o fluxo de retorno seja seguro”, afirmou Cristiane Foja, presidente da Abrabe.
A criação da frente conjunta se deu após operações da polícia identificarem fábricas clandestinas de bebidas no interior de São Paulo. Os produtos, em grande parte armazenados em galões plásticos e rotulados com nomes de marcas famosas, causaram mortes e internações. Laudos identificaram a presença de metanol, substância altamente tóxica.
Em resposta, autoridades estaduais intensificaram as operações de fiscalização, sobretudo no entorno de distribuidoras suspeitas e no comércio informal. A nova plataforma online ajudará a concentrar denúncias e facilitar a troca de informações entre governo, empresas e comerciantes.

