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PRÊMIO INTERNACIONAL

Conciliando preservação do Pantanal e maternidade, bióloga da UFMS conquista prêmio da Unesco

A professora e bióloga da UFMS conquistou o prêmio do programa "Para Mulheres na Ciência", da Unesco, conciliado com a vida na maternidade e os empecilhos do meio científico para mulheres

6 outubro 2021 - 07h00Victória de Oliveira
A professora e bióloga Letícia Couto Garcia
A professora e bióloga Letícia Couto Garcia - (Foto: Arquivo Pessoal)

A preservação do Pantanal é motivo de prêmio internacional. Essa conquista é da bióloga e professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Letícia Couto Garcia, e a premiação em questão é uma das sete do programa “Para Mulheres na Ciência”, organizado pela L’Oréal Brasil, em parceria com a UNESCO no Brasil e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). A bióloga é também mãe, e, mesmo diante dos empecilhos que o ambiente científico pode ser para uma mulher, Letícia concilia a vida profissional com a pessoal.

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Nascida em Belo Horizonte, com graduação e mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais, Letícia se apaixonou pelo Pantanal durante um curso de campo de ecologia. Aliás, na ocasião, apaixonou-se duplamente: foi durante o curso que ela conheceu seu marido, também biólogo. Os dois fizeram doutorado na Universidade Estadual de Campinas, com estágio de seis meses na Austrália, e se mudaram, em seguida, para Campo Grande. Hoje, aos 39 anos, a cientista coordena o Laboratório de Ecologia da Intervenção na universidade onde trabalha.

Entre os biomas brasileiros, o Pantanal é o de menor extensão territorial e, portanto, é o que tem a menor área a ser restaurada. Porém, o trabalho de restauração nessa área é extremamente complexo, devido à dinâmica de períodos chuvosos e secos, incluindo os períodos de queimada.

Letícia Almeida é uma das sete ganhadoras do programa "Para Mulheres na Ciência" - (Foto: Divulgação)

“O Pantanal é, por definição, bem adaptado ao fogo. Mas, nos últimos anos, observamos uma intensificação perigosa das queimadas. Cerca de 43% das áreas que queimaram no Pantanal em 2020 não queimavam há 20 anos”, explica Letícia, em menção ao resultado de estudo recentemente publicado com seus colaboradores.

Ela observa, também, que a expansão das áreas usadas para criação de gado ou plantações está aumentando a pressão sobre o ecossistema local, não apenas pelo desmatamento – que tem consequências dramáticas quando ocorre perto da nascente dos rios –, mas, também, pela plantação de espécies exóticas invasoras.

Assim, Letícia procura trabalhar junto às comunidades locais, incluindo povos indígenas, ribeirinhos e agricultores, para pensar soluções que permitam manter ou aumentar a produção sem degradar ainda mais o meio ambiente. Desta forma, ela procura mostrar que a restauração ambiental pode e deve levar benefícios socioeconômicos para a região. “Por exemplo, estimulamos a comunidade a produzir mudas e plantar espécies nativas para recuperar as áreas degradadas. Envolvemos até as crianças na coleta de sementes e elas amam participar”, conta, ressaltando que as comunidades tradicionais têm um papel muito importante na conservação da biodiversidade do Pantanal.

Equilibrar as demandas da sociedade e a conservação dos ecossistemas é a especialidade da professora. Letícia reconhece que o ambiente da academia nem sempre é acolhedor para as mulheres. “A gente sempre sente que tem que fazer mais do que um homem faria para ser reconhecida”, pondera. “Às vezes você fala uma coisa, um homem fala a mesma coisa logo depois, e o crédito fica para ele”. Ela também pontua que, em seus trabalhos de campo, muitas vezes passa por estruturas sociais altamente machistas, que resistem à ideia de uma mulher comandar projetos.

Mas, talvez, o principal desafio feminino na carreira científica seja, para Letícia, a maternidade. Mãe de duas crianças, uma de sete e outra de quatro anos, a cientista conta que é difícil equilibrar vida familiar e carreira, e que, às vezes, tem a sensação de que não está dando conta de nenhuma das duas. “Me sinto sempre dividida entre a dedicação intensa de ser professora, pesquisadora e mãe, como se não estivesse inteira em nada”, confessa.

Este é um sentimento comum entre cientistas que são mães, mas não é motivo para desistir – nem da maternidade, nem da ciência. “Apesar de ser muito difícil, é muito bom que os filhos cresçam convivendo com mães que se dedicam à ciência tanto quanto à criação deles, para que eles também tenham modelos de figuras femininas realizadas no trabalho”, aposta Letícia.

No projeto que será realizado com apoio da L’Oréal, Letícia e sua equipe vão avaliar indicadores espaciais, sociais, de segurança alimentar, de segurança hídrica, biológicos e econômicos para traçar um plano de restauração efetivo e sustentável para o Pantanal, envolvendo seus moradores e oferecendo subsídios científicos para a tomada de decisão – por exemplo, quanto às áreas prioritárias para restauração.

A bióloga é apaixonada pelo Pantanal - (Foto: Arquivo Pessoal)

O projeto vai muito além de uma campanha de plantio de árvores. A ideia é acompanhar a região no longo prazo, para garantir a manutenção das iniciativas e o engajamento na conservação do bioma. As comunidades locais participam em todas as etapas do processo e o objetivo final é que estejam determinadas a evitar a degradação do Pantanal no futuro. “Queremos mostrar também que, apesar de ser possível em alguns casos, é tão caro e tão difícil restaurar que é muito importante conservar as áreas que ainda temos, antes de pensarmos em restauração”, argumenta Letícia. “Queremos trazer o otimismo inerente da restauração, mas também deixar claras as dificuldades desse processo para reafirmar o valor da conservação”.

Prêmio L'Oréal Brasil, UNESCO e ABC - O programa “Para Mulheres na Ciência” foi criado há 16 anos para promover e reconhecer a participação da mulher na ciência e intensificar a igualdade de gênero. A pandemia da Covid-19 ganhou destaque na área científica, e modelos estatísticos para acompanhar a pandemia do novo coronavírus, estudo das mudanças climáticas, restauração do bioma e conexão entre a saúde do meio ambiente, dos animais e dos seres humanos, são alguns objetivos dos trabalhos vencedores da edição 2021.

Para apoiar jovens mulheres cientistas a darem prosseguimento aos seus estudos, o programa “Para Mulheres na Ciência” contempla sete jovens pesquisadoras das áreas de Ciências da Vida, Ciências Físicas, Ciências Químicas e Matemática com uma bolsa-auxílio de R$50 mil.

Foram sete mulheres premiadas em quatro categorias: Letícia Couto, Lilian Catenacci, Marta Giovanetti e Thaísa Michelan na categoria “Ciências da Vida”, Ana Cecília Rizzatti, em “Química”, Ingrid Barcelos, em “Física” e Fernanda De Bastiane, em “Matemática”.

Mais informações sobre o programa e os projetos vencedores podem ser encontradas no site do programa, além do Facebook e do Twitter do “Para Mulheres na Ciência”

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