Uma investigação conduzida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) mapeou a hierarquia de mando da facção Comando Vermelho (CV) na Zona Norte do Rio, identificando ao menos quatro líderes seniores como alvos centrais de uma megaoperação realizada no último dia28 nos complexos do Complexo do Alemão e da Complexo da Penha. A denúncia formaliza que a estrutura da organização não se baseia apenas em comando local, mas num esquema de “cadeia de comando rigidamente estabelecida e cumprida, com emissão de ordens, além de punições severas aos descumpridores das diretrizes”.
A operação e seu contexto - O MPRJ denunciou 69 integrantes do CV, embora não tenha participado da execução da operação, conduzida pelas polícias Civil e Militar. No episódio, considerado o mais letal da história do Rio por autoridades — com pelo menos 121 mortos —, as forças de segurança cumpriram 180 mandados de prisão e busca e apreensão, após cerca de 75 dias de planejamento.
O procuradorgeral de Justiça, Antônio José Campos Moreira, afirmou que o MP “investigará as ações das polícias e está acompanhando o trabalho de reconhecimento dos corpos”.
Estrutura de mando identificada - De acordo com os autos da investigação, três níveis principais foram elencados:
– Primeiro escalão: Doca e Pedro Bala
Edgar Alves de Andrade, vulgo Doca ou Urso, de 55 anos, e Pedro Paulo Guedes, vulgo PedroBala, de 43 anos, são apontados como os chefes máximos da facção na Penha e em áreas adjacentes. A denúncia destaca que mensagens interceptadas deixam claro que “ninguém dá tiro sem ordem do Doca ou do Bala”, além de fotos revelarem homens armados com fuzis e cachorros de guarda em residências localizadas nos morros sob seu domínio. Ambos, segundo o MP, controlam diretamente “a dinâmica do tráfico de drogas no Complexo da Penha e comunidades adjacentes, inclusive sobre venda e guarda de drogas, armas de fogo de grosso calibre e contabilidade”.Doca, conforme o processo, tem atuação estendida às comunidades do Juramento, Quitungo, GardêniaAzul e CésarMaia — as duas últimas consideradas conquistas recentes da facção em disputa com milícias. Um fato relevante: o cartaz de procurado divulgado no dia da operação oferece recompensa de R$100mil por informações que levem à prisão de Doca — valor considerado o maior da história do Disque Denúncia do Rio, equiparado apenas ao oferecido por informações sobre Fernandinho BeiraMar no ano 2000.
– Segundo escalão: Síndico e Gardenal
No nível logo abaixo, o MP identificou Washington Cesar Braga da Silva, vulgo Síndico ou Grandão da Penha, de 35 anos, e Carlos Costa Neves, vulgo Gardenal, de 30 anos. Ambos são descritos como “os homens de maior confiança de Doca” e “gerentegeral do complexo da Penha”. Entre suas atribuições estão: coordenar a venda de drogas, determinar escalas de plantão nas bocas de fumo, monitoramento de segurança armada incluindo mata, além de organizar pagamentos e logística interna da facção.O Gardenal ainda figura como responsável por liderar a expansão da facção sobre áreas de milícia na zonaoeste do Rio — em especial na região de Jacarepaguá —, segundo a denúncia. Ele também orientava traficantes sobre compra de armas e até drones de vigilância.
– Terceiro escalão: JuanBMW
Juan Breno Malta Ramos, conhecido como BMW, aparece como gerente do tráfico na GardêniaAzul e comandante do grupo “Sombra”, braço armado de assassinatos a serviço do CV. A investigação aponta que ele “atua na área operacional, na liderança de um grupo violento que emprega armas de fogo de grosso calibre em suas ações e atua com violência extrema contra rivais”. Um episódio flagrado em vídeo mostra tortura – “em meio a gritos implorando por perdão, o rapaz cita o nome de BMW várias vezes, enquanto o traficante debota da vítima agonizante”.Além disso, BMW teria autonomia para autorizar entregas de dinheiro para libertação de traficantes aliados detidos por outros grupos e mantido empresas de fachada para lavagem de dinheiro, conforme a peça acusatória.
Expansão e disputa territorial - O MP destaca que o CV levou adiante, nos últimos anos, um “projeto expansionista”, concentrando ofensivas especialmente na zona oeste – Jacarepaguá –, onde o avanço da facção vem “acarretando dezenas de mortes ao longo dos últimos anos, além de incremento da sensação de violência na região”.
Esse movimento de expansão se dá em meio à disputa com milícias e outras facções, o que eleva o nível de letalidade. A denúncia ressalta que no âmbito interno há “rotina de abusos e desmandos”, com torturas, execuções e uma “justiça paralela”.
Consequências e o que está por vir - A operação de terçafeira representa um dos maiores golpes já realizados contra o CV em termos de quantidade de mandados e ambiente de combate. A partir dos materiais entregues pelo MP — que incluem interceptações, fotos, vídeos e identificação de casas seguras — as autoridades conseguiram consolidar os alvos e operacionalizar a ofensiva.
Agora, o MP informou que seguirá acompanhando o trabalho de reconhecimento de corpos e investigará as ações das polícias durante a operação. A expectativa é que as prisões e buscas gerem impactos na estrutura da facção, embora especialistas alertem para o risco de reacomodação de lideranças e aumento da violência de retaliação.
Por que isso importa para o Rio de Janeiro - Essa investigação e a subsequente operação sinalizam que as autoridades conseguiram mapear com precisão uma estrutura de mando antes considerada difusa. Ao revelar nomes, funções e hierarquias dentro do CV e ao executar uma ofensiva simultânea contra vários níveis de chefia, o Estado dá um passo importante no combate ao tráfico organizado que controla favelas, define “plantões” nas bocas de fumo e impõe regras de “disciplina” criminal.
Para o cidadão de comunidades como Penha, Gardênia Azul, Alemão e Jacarepaguá, isso significa que há uma chance concreta de mudanças – embora a história mostre que vacância de poder sempre implica nova disputa. O desafio será garantir que essas operações se traduzam em presença civilpública e não apenas em confrontos esporádicos.
