
Gilmar dos Santos Gonçalves vive há duas décadas nas ruas de Campo Grande, mas poucos o enxergam. Seu abrigo improvisado, feito de pedaços de madeira, está escondido na encosta do rio Anhanduí, sob o movimento constante da avenida Ernesto Geisel, uma das mais conhecidas da cidade. Aos 60 anos — ou pelo menos essa é a idade que ele costuma dizer quando perguntam — sobrevive com a venda de recicláveis e ajuda de quem passa.

“Quando as pessoas não dão comida na rua, a gente pede”, resume Gilmar, que vive há anos sem endereço fixo, como tantos outros invisíveis na rotina urbana.
A realidade de Gilmar é uma entre as muitas que o Governo de Mato Grosso do Sul quer conhecer melhor por meio do primeiro censo da população em situação de rua do estado, iniciado esta semana em Campo Grande. A ação reúne esforços da Defensoria Pública Estadual, Prefeitura da Capital, Sead (Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos), Segem/Segov e IBGE.

Diagnóstico inédito e necessário - A ideia é simples, mas crucial: contar, entender e caracterizar quem vive nas ruas da cidade para que políticas públicas sejam mais eficazes. A secretária estadual Patrícia Cozzolino explicou que o censo busca dar visibilidade a essa população.
“A decisão foi tomada para termos um número real e sabermos em que condições essas pessoas vivem. Isso será a base para criação de novas políticas e para ajustes nos programas sociais existentes”, explicou.
Nesta primeira etapa, servidores da Secretaria Municipal de Assistência Social e do programa Mais Social saíram a campo para realizar as entrevistas e a contagem.
Trabalho coletivo para garantir dignidade - A defensora pública Thaisa Raquel Medeiros, coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), lembrou que a proposta surgiu em 2024 e representa uma conquista importante.
“O censo permitirá ações mais alinhadas. O objetivo é evitar que novas pessoas cheguem às ruas, criar caminhos para que saiam e, acima de tudo, garantir dignidade àqueles que ainda permanecem nelas”, afirmou.
A secretária municipal de Assistência Social, Camilla Nascimento, reforçou que nunca houve um levantamento exclusivo dessa população, apesar do aumento visível nos últimos anos.
“Não dá para fazer política pública sem estudo. O censo será nosso ponto de partida para desenvolver ações mais eficazes, voltadas à melhoria da qualidade de vida dessas pessoas”, destacou.

Um retrato da exclusão - Enquanto isso, Gilmar continua sua rotina, pendurado na corda que também serve de varal, tentando manter o pouco que tem. Acima dele, carros seguem velozes rumo ao shopping ou ao parque. Abaixo, o tempo escorre devagar, entre latas e sonhos roubados.
“Queria trabalhar com reciclagem, para mim mesmo. Sempre que começo a juntar, alguém vem e leva. Uma vez, me levaram 10 metros de reciclável”, lamenta.
O censo, ainda em andamento, pode não mudar tudo de imediato. Mas é um passo importante para que histórias como a de Gilmar deixem de ser ignoradas — e para que políticas públicas deixem de ser cegas a essa parcela da população.
