
O Brasil ainda convive com um dado alarmante: 5,42% das crianças indígenas de até cinco anos de idade não possuem registro de nascimento, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (24) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número é 10,6 vezes superior ao da população brasileira em geral, que apresenta índice de 0,51% de crianças não registradas.
A ausência da certidão de nascimento impede o exercício pleno da cidadania e torna essas crianças juridicamente invisíveis. O documento é a primeira garantia legal de direitos como acesso à saúde, educação e programas sociais. A primeira via da certidão é gratuita, conforme estabelece a Lei Federal nº 9.534/97.
Os dados fazem parte do Censo Demográfico 2022 – Etnias e Línguas Indígenas e revelam uma série de vulnerabilidades que afetam a população indígena, composta por 1.694.836 pessoas distribuídas em 4.833 municípios brasileiros. Isso equivale a 0,83% da população total do país, que hoje soma 203 milhões de habitantes.
Mais indígenas vivem nas cidades - Uma mudança relevante em comparação ao último Censo, de 2010, é o deslocamento dos indígenas para áreas urbanas. Naquele ano, 63,78% viviam em zonas rurais. Em 2022, esse cenário se inverteu: 53,97% agora vivem em cidades. O crescimento da população indígena também chama atenção: aumentou 88,82% em 12 anos, com a incorporação de novos autodeclarados indígenas e maior cobertura territorial na coleta de dados.
O Brasil abriga 391 etnias e 295 línguas indígenas, o que reforça a diversidade cultural e linguística do país e exige políticas públicas específicas para essa população.
O levantamento também mostra a precariedade nas condições de moradia dos povos indígenas. Entre as etnias mais afetadas estão os Tikúna, Guarani-Kaiowá e Kokama.
Os Tikúna, maior etnia indígena do Brasil, concentram 54.897 pessoas sem acesso à água encanada (74,21%) e 68.670 sem esgotamento sanitário adequado (92,82%). A situação se repete entre os Kokama (83,02% sem esgoto) e Guarani-Kaiowá (82,05%).
Essas comunidades, em muitos casos, utilizam fossas rudimentares, valas, rios ou córregos como forma de descarte, o que impacta diretamente a saúde pública. No que diz respeito à coleta de lixo, os Tikúna também lideram o déficit: 76,59% não têm acesso a nenhum tipo de serviço de coleta.
Alfabetização ainda é desigual - Entre os indígenas com 15 anos ou mais que falam alguma língua indígena, 78,55% são alfabetizados. A taxa de alfabetização da população indígena total é de 84,95%, inferior à média nacional, que é de 93%. O índice de analfabetismo entre os indígenas é de 15,05%, mais que o dobro da média brasileira (7%).
Para o gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco, a alfabetização precisa ser conduzida com cuidado para não prejudicar a preservação das línguas nativas. “Se for feita apenas em português, a alfabetização pode ser nociva às línguas indígenas. Mas se for bilíngue ou na língua indígena, contribui para o fortalecimento cultural”, afirma.
O IBGE destaca que o levantamento serve como base para o aprimoramento das políticas públicas voltadas aos povos indígenas, indicando onde estão as maiores carências e onde é preciso reforçar a atuação do Estado.
A falta de documentação, infraestrutura básica e acesso à educação revelam o abismo entre os direitos constitucionais e a realidade vivida por milhares de indígenas no Brasil. A expectativa é que os dados sirvam de alerta e guia para ações mais efetivas e respeitosas à diversidade étnica e cultural do país.

