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O Brasil vem acompanhando a repercussão da entrega legal em que a atriz Klara Castanho fez, e que teve sígilo quebrado por um membro da equipe do hospital, que informou a mídia sobre o procedimento. Apesar de legalizado e apoiado pelos Tribunais de Justiça do Brasil, mulheres que optam pela entrega voluntária acabam sofrendo constrangimentos, acusações e pressionadas a desistir da entrega.

A exposição do caso gerou especulação, comoção e principalmente acusações contra a atriz de 21 anos, que foi vítima de estupro, descobriu a gestação tardiamente e decidiu entregar a criança para que fosse adotada por outra família.
Klara está amparada pela Lei 13.509, aprovada em 2017, chamada Lei da Adoção, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dando a possibilidade às gestantes de manifestar o interesse em entregar o filho para adoção. Esse direito é garantido em qualquer circunstância, independente se a mulher foi vítima de violência ou não.
A Lei garante o direito de entregar do bebê para a adoção a todas as mulheres que assim desejam de forma sigilosa e acompanhada de um equipe especializada multidisciplinar, tendo direito ao suporte e proteção Judicial, algo que infelizmente não aconteceu neste caso.
O que é entrega legal de bebês e como funciona

A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, deverá procurar a Vara da Infância e Juventude da cidade onde mora, ou ainda o Ministério Público, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), ou o Conselho Tutelar a qual será orientada sobre as questões psicológicas e jurídicas da entrega da criança para adoção.
A equipe multidisciplinar articular-se com o serviço de saúde no tratamento da gestante, no sentido de que seja respeitado seu desejo da mãe no que se refere ao contato com o bebê e à amamentação. Ou seja, a vontade da mulher é soberana, caso ela decida que não quer ver a criança e nem amamentá-la a decisão deve ser respeitada.
Após o nascimento da criança, será designada a audiência de sua entrega para adoção. Se houver pai ou se a mulher tiver cônjuge ou companheiro, este também deverá ser ouvido em juízo.
A mãe ou os genitores podem desistir da entrega até a data da audiência, que durante esse período, a criança é encaminhada para algum abrigo da cidade. Vale ressaltar que a certidão nascimento é feita pela mãe biológica. o documento fica a equipe até a tomada de decisão.
Persistindo na decisão de entregar o recém-nascido para adoção, a autoridade judiciária decretará a extinção do poder familiar. A família adotante se torna a responsável pela criança e a mãe perde os direitos de guarda do filho definitivamente.
Os principais motivos que levam a mulher entregar o recém-nascido para adoção são a gravidez não planejada, o abandono do parceiro e da rede familiar, condições financeiras, número de filhos, falta de desejo de “maternar”, entre outros.
Projeto Dar a Luz
O Projeto Dar a Luz visa conscientizar a sociedade e os profissionais da rede de proteção sobre os aspectos que envolvem a decisão de uma mãe de entregar seu filho para adoção, durante a gestação ou logo após o nascimento, bem como dar acolhimento a essas mulheres que vivenciam as mais diversas particularidades objetivas e subjetivas para o exercício da maternidade.

Segundo a desembargadora Elizabete Anache, coordenadora da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, desde o início do projeto, foram assistidas mais de 157 gestantes. Destas, 90 fizeram a entrega legal e 81 desistiram ao longo do atendimento. O perfil de mulheres que buscam o projeto é eclético, são mulheres entre 22 a 35 anos, classe média baixa, de todas as etnias e raças e a na parte familiar, a paternidade da criança é ausente.
A assistente social Taline Mara Ricardino do Projeto Dar à luz da Maternidade Cândido Mariano esclarece que o projeto fortalece e faz com que a mulher reflita seu desejo, tanto no processo terapêutico com psicóloga tanto na parte socioestrutural. "É colocar 'as cartas na mesa', ver os porquês e trabalhar cada um desses e ver se eles estão fortes, firmes e se tem realmente condições de ser levado para frente ou se podem ser resolvidas”.

Segundo Taline há casos de desisntências mediante ao trabalho multidicilinar." Uma das pacientes, acreditava que não tinha apoio familiar de forma alguma, no momento que ela viu que teria, ela mudou totalmente de ideia, então algumas vezes um profissional falar as soluções para seu problema não resolvível, parece distante, mas na hora que ela viu na pratica, dividiu com a família e viu o apoio familiar, aí mudou totalmente de posição.Então você ver o projeto, ele tem um fortalecimento da sua decisão. Que não precisa ser tomada sozinha, ela pode ser compartilhada com quem realmente precisa, da família".
Durante a audiência, a mãe é questionada se ela permite que a criança quando completar 18 anos, possa ter acesso as informações maternas, bem como assisitr o vídeo da audiência. Porém quem decide é ela, que fica registrado nos autos do processo, se ela optar por não querer que o filho entre em contato com ela, a decisão é respeitada.
Após a audiência, o trabalho da equipe continua com acompanhamento psicológico para mulher. "Existe um período de luto, ela vai ter momentos de fragilidade, dúvida, dor, um sofrimento comparável ao sentimento de luto. Então é de extrema necessidade ter um acompanhamento, pois a chance de virar uma depressão, de virar algo patológico é grande. É preciso que ela seja fortalecida, reinstituída a realidade, instituída das motivações das decisões".
Maternidade Cândido Mariano é referência para esclarecer e procurar a entrega voluntária
De todos os hospitais que acolhem o projeto Dar a Luz, a probabilidade das mulheres procurarem a Maternidade Cândido Mariano é maior. "Primeiro porque é próximo do Fórum, segundo por ser só maternidade, o fluxo de atendimento é pouco", disse.
Desse acolhimento é fruto de muitas capacitações que o projeto faz com os funcionários da maternidade. "O ser humano tem suas particularidades, mas pensar não é falar, a gente já teve funcionário que já tentou intervir, mas parou porque a gente faz muita capacitação, a gente fala sobre o assunto o tempo todo, a gente conversa com a equipe, a sua opinião não precisa de estornada, você precisa é prestar um bom atendimento desde a equipe delimpeza ao médico", finaliza Taline.
A DECISÃO É DELA

A diarista Ana Clara* de 35 anos, entregou a para adoção por motivos psicológicos, financeiros, estruturais e o abandono paterno. "Tenho filhos que moram comigo e sei como uma criança demanda tempo, paciência, dinheiro e tudo é a longo prazo, muito é falado sobre gestação, mas pouco é falado sobre a primeira infância e sobre o trabalho que é cuidar de uma criança".
Ana relata como foi a sua audiência."Você tem opção de gravar um vídeo ou escrever um carta explicando seus motivos. Eu pedi para que o nome que eu escolhi fosse preservado. Eles te explicam como é a família, sobre religião, condição financeira, opção sexual da pessoa entre outras coisas. E em vários momentos eles perguntam se é isso mesmo que você quer".
Ao ser questionada sobre a exposição que Klara Castanho está sendo evidenciada, Ana relembra o que ela passou."Na maternidade sempre tem um funcionário que faz boca torta, faz piada, crítica ou julga. Lembro da pediatra falando alto na sala de parto a respeito da minha decisão me deixando constrangida. Na verdade os médicos que lidam com a criança, não concordam muito com ponto de vista da mãe".
E foi através do projeto Dar a Luz, que a diarista conseguiu fazer a laqueadura. "Eu gostaria de ter feito após a minha primeira gestação, mas minha vontade não foi levada em consideração. Quando se trata da saúde da mulher é tudo muito burocrático e demorado. Ouço bastante coisas como 'Mas no posto da remédio, preservativo e diu'. Mas na prática é complicado. Sem falar nos relacionamentos abusivos e no machismo estrutural que a gente enfrenta todos os dias", finaliza Ana Clara.
*Ana Clara nome fictício
