
Morena do meu coração,

No último dos oito anos em que, na condição de prefeito, tenho sido ‘chefe de cerimônias’ das merecidas festas que celebram seu aniversário, escrevo-lhe esta carta emocionada – e como toda carta de amor, às vezes meio ridícula. Mas expressão genuína dos meus sentimentos.
Primeiro quero confessar-lhe que, nestes dias festivos, às vezes tento em vão disfarçar uma lágrima – não de tristeza ou nostalgia, mas de alento e alegria. Seja ao ver suas adolescentes ‘meninas morenas’ (de todas as raças, cores e crenças) sorrindo para o futuro na algazarra do pátio da escola, seja ao identificar nos olhos dos que já fizeram muito para que você seja hoje esta ‘Morena’ de tirar o fôlego, a serena certeza de que lhes será sempre grata e acolhedora.
Você bem sabe, Morena do meu coração, que, ao contrário dos homens, com o passar dos anos as cidades ficam cada vez mais jovens e belas. Aos 113 anos, você tem todos os dotes para se envaidecer de sua idade – e de nosso amor incondicional por você.
Conheço-a muito, mas sempre me deslumbro com as curvas ‘mansas’ das modernas avenidas que bordejam seus muitos córregos, acompanhando a sensualidade ondulante de sua geografia. Ou se contorcem, provocantes, na oferta de esporte, lazer e cultura, como a Via Morena,
E como é prazerosa, Morena do meu coração, a certeza de que a exuberante jovialidade de seus 113 anos recusa maquiagens. Bastam-lhe o adorno real dessa mágica fusão de buritizais, avenidas e espaços de lazer de seus parques lineares, e o ajuntamento edênico de araras e de humanos na celebração do verde que a toca e toma, despudoradamente.
Contudo, Morena do meu coração, mais do que nas suas deslumbrantes avenidas ou nas alamedas de bosques de ipês, prestes a explodir em profusão de cores; mais do que no seu estonteante pôr do sol a recortar uma arquitetura de sonhos, eu a vejo, minha Morena, generosa e solidária, no semblante dos milhares de trabalhadores que todos os dias fazem-na uma cidade mais próspera e bela; na alegria esfuziante de suas crianças invadindo as escolas e desbravando o amanhã; no entusiasmo sem-cerimônia de adolescentes e jovens que, nos bancos escolares e nos esportes, moldam o futuro e o seu lugar nele; eu a vejo ainda nos casais enamorados que a fazem mais faceira e linda, e nos passos tranquilos desses idosos que passeiam sua serenidade ao cair da tarde.
Eu a amo em todos e cada um de seus filhos, naturais ou adotivos.
Para finalizar, porém, um lamento e um desabafo – o único – antecipado.
O lamento
Dói muito não mais poder, pela impossibilidade absoluta que só a morte impõe, mostrar a meu pai o quanto você ficou mais jovem e acolhedora neste último ano. Por sete aniversários seguidos eu a exibi, com indisfarçável orgulho, ao olhar severo e sereno de alguém que antes de ser pai do prefeito era seu filho, Morena do meu coração. Ele iria gostar muito de vê-la hoje.
O desabafo
A única mágoa que guardo destes quase oito anos, minha Morena, se deve à persistência com que meus amigos (?) ‘peladeiros’ tentam ofuscar minha condição de craque, com o ‘argumento’ de que, por ser prefeito, só recebo passes açucarados dos companheiros, enquanto os adversários sempre me poupam.
Claro que nunca me passou pela cabeça renunciar para lhes provar o contrário. Eles que me aguardem.
No mais, Morena do meu coração, desculpe o ruim da ‘caligrafia’, como se ‘dizia’ antigamente, e feliz aniversário a você e a todos os campo-grandenses.
(*) Nelson Trad Filho é prefeito de Campo Grande.
