
Quem nunca foi zoado ou zoou alguém na escola? Risadinhas, empurrões, fofocas, apelidos como “bola”, “rolha de poço”, “quatro-olhos”. Todo mundo já testemunhou uma dessas “brincadeirinhas” ou foi vítima delas.

Mas esse comportamento, considerado normal por muitos pais, alunos e até professores, está longe de ser inocente. Ele é tão comum entre crianças e adolescentes que recebe até um nome especial: bullying. Trata-se de um termo em inglês utilizado para designar a prática de atos agressivos entre estudantes. Traduzido ao pé da letra, seria algo como intimidação. Trocando em miúdos: quem sofre com o bullying é aquele aluno perseguido, humilhado, intimidado.
Conscientizar pais, alunos , professores e a sociedade de um modo geral sobre este fenômeno é o desafio em que se lança a psicóloga e consultora Valeria Rezende da Silva, com a autoridade de quem atuou por quase 30 anos como orientadora educacional e que aproveitou sua passagem pelos Estados Unidos para se aprofundar nos estudos sobre a questão. “Li muito, fiz cursos sobre o assunto e daí surgiu o desejo esse conhecimento aos outros educadores, outras equiipes, outras escolas”, através de palestras e workshops,em que procura respostas a algumas questões básicas: O que é bullyng? Por que a criança e jovens praticam bullyng? Quem são as maiores vítimas de bullyng? Como identificar situações de bulling: o que fazem diante delas? Que atitudes tomar para evitar o bullyng?
Nas palestras e workshop que ministra Valeria se apóia num material em power point em que procura esclarecer dúvidas a partir de exemplos tirados do dia-a-dia das escolas, além de oferecer aos professores uma apostila com síntese dos conhecimentos e exercícios, propostas de atividades coletivas e individuais.
A consultora não tem dúvida de que o bullyng sob nenhuma hipótese pode ser encarado como brincadeira de criança, um comportamento normal num determinado estágio do processo de amadurecimento. Em seus estudos Valeria apurou que esse fenômeno acontece no mundo todo. No Brasil, o médico Aramis Lopes Neto coordenou o primeiro estudo feito a respeito desse assunto - “Diga não ao bullying: Programa de Redução do Comportamento Agressivo entre Estudantes”, realizado pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia).
O que se conclui é que os alvos de bullying, as conseqüências podem ser depressão, angústia, baixa auto-estima, estresse, absentismo ou evasão escolar, atitudes de autoflagelação e suicídio, enquanto os autores dessa prática podem adotar comportamentos de risco, atitudes delinqüentes ou criminosas e acabar tornando-se adultos violentos.
A pesquisa da Abrapia, que foi realizada com alunos de escolas de Ensino Fundamental do Rio de Janeiro, apresenta dados como o número de crianças e adolescentes que já foram vítimas de alguma modalidade de bullying, que inclui, discriminação, difamação e isolamento. Dos 5.870 alunos pesquisados, 40,5% se disseram diretamente envolvidos nesse tipo de violência, como autores ou vítimas dele”.
Não é difícil encontrar exemplos de casos em que esse tipo de violência tenha acarretado conseqüências graves no Brasil. Em janeiro de 2003, Edimar Aparecido Freitas, de 18 anos, invadiu a escola onde havia estudado, no município de Taiúva, em São Paulo, com um revólver na mão. Ele feriu gravemente cinco alunos e, em seguida, matou-se. Obeso na infância e adolescência, ele era motivo de piada entre os colegas.
Na Bahia, em fevereiro de 2004, um adolescente de 17 anos, armado com um revólver, matou um colega e a secretária da escola de informática onde estudou. O adolescente foi preso. O delegado que investigou o caso disse que o menino sofria algumas brincadeiras que ocasionavam certo rebaixamento de sua personalidade. Vale lembrar que os episódios que terminam em homicídio ou suicídio são raros e que não são poucas as vítimas do bullying que, por medo ou vergonha, sofrem em silêncio.
Dados recentes mostram sua disseminação por todas as classes sociais e apontam uma tendência para o aumento rápido desse comportamento com o avanço da idade dos alunos. Para a pesquisadora os motivos que levam a esse tipo de violência são extremamente variados e estão relacionados com as experiências que cada aluno tem em sua família e/ou comunidade: “Famílias desestruturadas, com relações afetivas de baixa qualidade, em que a violência doméstica é real ou em que a criança representa o papel de bode expiatório para todas as dificuldades e mazelas são as fontes mais comuns de autores ou alvos de bullying”.
A origem
A palavra “Bully” é de origem inglesa e significa “valentão”. Grande parte das pessoas confunde ou tende a interpretar o bullying simplesmente como a prática de atribuir apelidos pejorativos às pessoas, associando a prática exclusivamente com o contexto escolar. No entanto, tal conceito é mais amplo. Para o cientista norueguês Dan Owelus, o bullying se caracteriza por ser algo agressivo e negativo, executado repetidamente e que ocorre quando há um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. Desta forma, este comportamento pode ocorrer em vários ambientes, como escolas, universidades, no trabalho ou até mesmo entre vizinhos. Basicamente, a prática do bullying se concentra na combinação entre a intimidação e a humilhação das pessoas, geralmente mais acomodadas, passivas ou que não possuem condições de exercer o poder sobre alguém ou sobre um grupo. Em outras palavras, é uma forma de abuso psicológico, físico e social.
No ambiente de trabalho, a intimidação regular e persistente que atinge a integridade e confiança da vítima é caracterizada como bullying. Entre vizinhos, tal prática é identificada quando alguns moradores possuem atitudes propositais e sistemáticas com o fim de atrapalhar e incomodar os outros.
Falando especificamente do ambiente escolar, grande parte das agressões é psicológica, ocasionada principalmente pelo uso negativo de apelidos e expressões pejorativas.
Cyberbullying, violência chega à Internet
Tradicionalmente, o bullyng é praticado no pátio da escola, no corredor e na sala de aula, quando o professor não está presente. A novidade é que cada vez comum a utilização da internet como instrumento de divulgação desta agressividade. Uma pesquisa realizada em São Paulo, mostra que os blogs e sites da Internet são o ambiente preferido por 8% dos envolvidos nesta forma de assédio moral. É o chamado cyberbullying. Com o bullying tradicional na escola, a vítima se sente protegida em casa. No cyberbullying os ataques podem acontecer 24 horas, todos os dias da semana.
Este comportamento começa a ser coibido pela Justiça, a partir de um caso registrado em Minas Gerais, onde o estudante Lucas Campos, só porque não ia com a cara de um colega de turma, criou r uma página em um site de relacionamentos na internet com todo tipo de ofensa e xingamentos, inventando apelidos. O estudante ofendido não gostou e resolveu processar.
O Tribunal de Justiça mineiro condenou o autor da zombaria a pagar R$ 3.500 de indenização em danos morais por crime de difamação.“Não são todas as pessoas que costumam deixar este tipo de coisa passar em branco”, diz o estudante Daniel Garcia Neto.
“O que leva a garotada a fazer essas coisas com os colegas é a certeza da impunidade e do anonimato. A maior defesa é a denúncia, mas infelizmente as pessoas não denunciam, são poucos os que recorrem à Justiça”, afirma Cleo Fante, pesquisadora de violência escolar. A estudante de Direito Thany Pollini escreveu para o site do Fantástico contando que sempre foi discriminada na escola e que agora passou a sofrer o problema também na internet. “Já fui chamada de baleia, de monstro do mar, elefante, essas coisas assim de pessoas cruéis. Fui ameaçada de apanhar, fui ameaçada de ter meu carro riscado, fui ameaçada com telefonemas. Isso ao longo do tempo que eu uso a internet”, conta Thany.
